De acordo com dados colhidos em 2008 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (www.abp.org.br/portal/imprensa/pesquisa-abp/), cerca de 5 milhões de crianças demonstram problemas mentais. Aproximadamente 12,6% dos brasileiros entre 6 e 17 anos apresentam sintomas de transtornos mentais importantes.
A pesquisa em questão se propôs avaliar a saúde mental da criança brasileira. O estudo estimou a prevalência de sintomas dos transtornos mentais mais comuns na infância e na adolescência (de 6 a 17 anos) e as formas de atendimento mais utilizadas.
A maior parte das crianças e adolescentes apresentava sintomas para mais de um transtorno mental. Mais de 3 milhões (8,7%) tinham sinais de hiperatividade ou desatenção; 7,8% possuíam dificuldades com leitura, escrita e contas (sintomas que correspondem ao transtorno de aprendizagem), 6,7% tinham sintomas de irritabilidade e comportamentos desafiadores e 6,4% apresentavam dificuldade de compreensão e atraso em relação a outras crianças da mesma idade.
Sinais importantes de depressão também apareceram em aproximadamente 4,2% das crianças e adolescentes. Na área dos transtornos ansiosos, 5,9% tinham ansiedade importante com a separação da figura de apego, 4,2% em situações de exposição social e 3,9% em atividades rotineiras como deveres da escola, o futuro e a saúde dos pais.
Mais de 1 milhão das crianças e adolescentes (2,8%) apresentavam problemas significativos com álcool e outras drogas. Na área de problemas de conduta, como mentir, brigar, furtar e desrespeitar, 3,4% das crianças apresentam problemas.
Considero alarmante e preocupante os dados apresentados naquele ano. Certamente é muito maior do que imaginamos, salvo os falsos-positivos (falta de limite e de estrutura familiar, por exemplo).
Nos consultórios de Psicologia Infantil temos visto o aumento na procura por atendimento.
Algumas variáveis nos levam a pensar sobre este movimento. A psicoterapia na infância exige formação adequada e experiência por parte do profissional.
Se pensarmos que nossas crianças cada vez mais têm sido diagnosticadas (e cada vez mais cedo, o que favorece uma conduta positiva em relação ao prognóstico, levando-se em consideração a gravidade e características dos quadros), há de se pensar também na outra ponta deste ‘cabo de força’: o tratamento adequado e eficaz.
Neste ínterim, muitos elementos de análise surgem, a saber alguns deles:
- A formação e experiência do psicólogo que se dedica à infância: crianças não são adultos em miniatura. Subjacente ao processo terapêutico acontece silenciosamente o desenvolvimento, que pode trazer nuances inusitados para o setting terapêutico e para o processo propriamente dito. Caso o psicólogo não tenha formação suficiente e adequada para a condução do tratamento, a criança sofre riscos potenciais.
- A definição consciente da abordagem teórica com a qual se trabalhará:conhecer e adotar a abordagem teórica profissional é de suma importância para o sucesso do tratamento. As conhecidas e falíveis ‘colchas de retalho’ trazem prejuízo para a criança e para o próprio terapeuta, uma vez que elimina a avaliação da eficácia das ferramentas utilizadas.
- A adesão da família ao tratamento: a procura por tratamento psicológico traz a urgência desesperadora da solução do problema ou da cura. A figurado psicólogo surge como a última tentativa de solucionar os problemas que o silêncio familiar não deu conta de resolver, seja por desestruturação, por falta de conhecimento e informação ou por qualquer outro motivo.
- A aceitação e realização do tratamento do início ao fim: esta é uma questão muito séria, uma vez que o abandono do tratamento é significativamente alto. A família ao ver sinais de melhora considera que o processo possa ser interrompido sem prejuízo do mesmo, o que mostra o equívoco e fundamenta as reincidências. O processo de alta no acompanhamento terapêutico é de fundamental importância para a criança.
- A gravidade do quadro/diagnóstico: tanto a família quanto o profissional precisam conhecer o quadro que a criança em tratamento apresenta. Devemos ter claro que há casos que muito pouco poderá ser feito; nestes casos, devemos nos ater às estratégias de manutenção da qualidade de vida da criança e da saúde mental dos familiares.
A partir dessas perspectivas, a Psicologia Infantil desponta ora como heroína ora como vilã. No primeiro caso, o sucesso na condução do caso coloca o profissional em lugar confortável; no segundo podemos nos deparar desde com a incompreensão, até condutas que ferem os direitos do profissional e da pessoa.
Esta dualidade está sempre presente no cotidiano do profissional. A sutileza das relações interpessoais nos coloca frente a frente com o Bem e com o Mal. O que determina o primeiro ou o segundo passarão pelas variáveis acima citadas.
Compreender tudo isso, tornar-se psicoterapeuta infantil e fazer a diferença na profissão dependerá de muito mais do que apenas acertar ou errar, ser herói ou vilão. Cuidar de crianças nos ensina e nos habilita a percorrer o doce e árido caminho da infância; cuidar de crianças nos coloca no lugar de herói e de vilão; cuidar de crianças nos coloca de frente com as possibilidades e a impossibilidade. Caberá a cada um, em cada momento, posicionar-se como um ou outro.
Diante disto, o mais importante é buscar um caminho promissor e seguro que favoreça, sobretudo, o desenvolvimento da criança.
NOTA DA REDAÇÃO: Valeska Magierek é Psicóloga, Especialização em Neuropsicologia e Mestre em Psicobiologia. Atua na área Clínica com atendimento de crianças e como Professora Universitária. Diretora Clínica do Centro AMA de Desenvolvimento.