Natal, a gente era feliz e não percebia

Em meados de um dezembro da minha infância, lá vinha eu descendo a Rua Mariano Procópio puxando um saco de aniagem e sobre ele, dois galhos de pinheiro. O saco de aniagem protegia-os dos atritos com os paralelepípedos. Dois galhos eram para minhas irmãs escolherem o melhor para ostentar a nossa árvore de Natal e o outro sempre aparecia alguém para ser doado. Ao chegar em casa, o galho escolhido se ajeitava numa lata de banha de 20 quilos, tendo no seu interior uma massa forte composta de cimento, areia, brita e água. A base estava feita. A nossa árvore de Natal começava a tomar força e vigor. Já no pedestal, minha irmã Anélia podava algumas pontas até deixá-la em perfeita simetria.

 

A outra irmã, Aparecida, sempre aparecia com caixas de papelão lotadas de bolas natalinas de vários tamanhos, multicoloridas e alguns enfeites. Eu adorava olhar meu rosto disforme projetado nas bolas e sempre era repreendido e chamado de estorvo. Guiomar, com grave deficiência visual, apenas sorria ouvindo os comentários dos irmãos. José era o artesão da família. Era ele quem dava o toque artístico na árvore. A transformação começava. Delicadamente as bolas eram amarradas na árvore tendo o cuidado de não colocar as de mesmas cores perto uma das outras. A árvore começava a ficar linda. No seu topo, colocávamos uma estrela que nos guiava para caminhos de paz, amor e felicidades. A caçula, Sônia, colocava algodão na árvore para imitar a neve e a envolvia com fitas douradas. A irmã Maria (Lica), fazia o grude que era passado em rolos de barbante finos e grossos e logo em seguida eram jogados num vasilhame de purpurinas e de cacos de bolas quebradas, bem triturados. O sol era o nosso parceiro amigo para secar os barbantes para enfeitarem a árvore que já tomava corpo e ficava linda. Antônio (Nico) passava para lá e para cá ostentando um sorriso nos lábios um tanto quanto irônico. Será? Por agir assim, ele era chamado de feitor ou fiscal de obra. Essa operação era realizada num ambiente de companheirismo e risos.

 

A lata era revertida com papeis de imagens natalinas e na sua base de sustentação eram colocados tijolos enfeitados com o mesmo papel para imitar presente. Disfarçava bem.  A árvore estava pronta, linda e majestosa. Todos sorriam de satisfação pelo dever cumprido.

 

Na proximidade do sonhado 25 de dezembro, uma cesta natalina era colocada sobre o tapete que ostentava a árvore. O preço da cesta era dividido em 12 parcelas e quem pagava as prestações era meu pai e as irmãs que trabalhavam. Minha mãe, Maria José, a deixava aberta para todos verem o que havia em seu interior. Recomendação – proibido tocar até o Natal chegar. Todos sabiam que esse recado tinha um endereço certo: Francisco de Santana ou simplesmente Chico. Na cesta continha champagne, groselha, latas de doce de sabores variados três em um ou quatro em um, doces em calda e cristalizados, patês, chocolates, panetone, passas, ameixa seca, nozes, castanha, frutas dentre muito mais. Na véspera do Natal, se juntavam a esses, uvas brancas e pretas adquiridas na antiga Escola Agrotécnica Diaulas Abreu.

 

O Papai Noel não era uma constante. Minhas irmãs Aparecida e Anélia reclamavam que a roupa era quente demais. Lembro-me que a Anélia transportava os presentes e sua barba longa e bigodes caíram do seu rosto suado. Meu pai, João Pedro sempre foi avesso a nos presentear com brinquedos. Sua preferência era pelas roupas, sapatos e materiais escolares. Quando eram brinquedos, eles eram adquiridos na cadeia pública municipal, confeccionados pelos detentos.  Eram brinquedos fortes e resistentes. Eu me lembro dos carrinhos, navios, bilboquês, aviões, animais de madeira, pião, carrinho de rolimã, catavento, dama, ioiô, bonecas, petecas, jogos de cozinha, caleidoscópio (o meu preferido) entre muitos outros. O nosso almoço natalino era sempre o mesmo, arroz ao forno, tutu com ovo cozido, macarronada, frango frito e pernil. Como sobremesa, tínhamos os doces oriundos da cesta natalina e os caseiros como a rabanadas, arroz doce com canela de pau, figo em calda, doce de mamão, laranja da terra e o mais querido e desejado por todos: doce de leite na panela de pressão.

Tudo isso se transformou em saudade. Dessa grande família apenas dois estão vivos, eu e meu irmão José. Essa lembrança me fez ver que a felicidade estava tão perto de nós e que não a percebíamos. Vivenciei a trilogia, passado, presente e futuro.

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