Morte – Estágio final da evolução

A crônica de Francisco Santana

Pense comigo, a cada segundo vivido representa um segundo em direção à morte. Correto? Esse assunto me amedronta. Tudo porque as palavras mais ditas e ouvidas no momento são coronavírus e morte. A pandemia já matou mais de 50 mil seres humanos. Infelizmente ainda há quem age indiferente a salvar vidas. O momento é de união em torno de propósitos comuns, mas acontece o contrário e governantes dão o mau exemplo, bem como aglomerações de pessoas se autodestroem.   

Os depoimentos de familiares que perderam a luta pela Covid-19 são comoventes e chegam a dar um nó na garganta. Para muitos, a vida já não é o bem mais precioso. Enquanto profissionais da saúde trabalham incansavelmente para salvar vidas, nos deparamos com gangues de políticos e empresários agindo ilicitamente nas compras de equipamentos que salvariam seres humanos. Se cada ser fosse cônscio de sua responsabilidade, não teríamos esse absurdo número de mortandade. Os comércios se abrem na mesma proporção que se abrem túmulos. Tudo em nome do dinheiro e nada em nome da vida.

Nesse instante, o Brasil está dividido entre o luto dos familiares e a sordidez política que nada faz para aliviar e até preservar as dores da população. A Psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, autora do livro Morte – Estágio final da evolução, baseando-se em estudos de proximidade da morte de pacientes terminais disse que o luto passa por cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

A esperança é o sentimento mais comum a todos os estágios do luto. Afinal, a ausência de esperança é o prenúncio do fim. Hoje, é mais frequente percebermos os hospitais, a medicina e a própria sociedade dando passos para a tão necessária humanização da morte, que não deixa de ser uma maneira de encontrar um sentido para a vida. 

Nessa semana, morreu em Barbacena um amigo e companheiro. Eu o admirava pela honradez de postura, pelas suas obras em prol da sociedade e pelo culto ao corpo sadio. Eu me refiro ao grande líder e Professor de Educação Física, Delmo Maria da Silva. Por sete anos, estive sob o seu comando usufruindo do seu conhecimento, carinho, profissionalismo e de ideologias eternizadas em meu coração e mente. Delmo era feito de amor. Ele exercia sua irretocável liderança porque era contagiante, agregador e leal. A fanfarra do colégio, sua ambiciosa, plagiada e elogiada obra foi um marco na sua vida e na dos alunos do Colégio Estadual Professor Soares Ferreira. Nela, sempre participei tocando bumbo onde a cada ano nós exibíamos com evoluções diferenciadas para alegria do público. Delmo vibrava a cada batida dos instrumentos e evoluções das baquetas. Comentávamos: “São tantas emoções que num desfile, seu coração não aguentará” Durante o desfile, ele gostava de aparecer para o publico, esnobava, chamava nossa atenção, marchava, vibrava conosco, inflava o seu ego diante dos aplausos da plateia que gritava freneticamente pelo seu nome e do Colégio Estadual Professor Soares Ferreira. Seus discípulos sempre se lembrarão dele pelos refrões: “Rei, chiligrinha ou xiligrinha”. Bem como as expressões: “Olhem para frente! Alinhem pela esquerda! Batam o pé firme no chão!” E pela mais famosa de tantas outras: “Barriga prá dentro e peito prá fora!”. 

Cada aluno em suas mãos foi aprendiz, companheiro e com méritos, chegou ao cargo de mestre. Cada um tem no mínimo duas histórias para contar sobre ele. Escolhi duas simples e marcantes, assim como ele. E como me marcaram! 

1ª Caminhava no pátio do Colégio na companhia de um colega quando senti um meteoro cair sobre minhas costas. O impacto foi tão forte que fui arremessado a alguns metros caindo no chão. De repente, me deparo com o Delmo sorrindo e dando as mãos para me levantar. O meteoro na verdade eram duas porradas bem fortes que ele me deu nas costas. Esse seu gesto habitual era como se ele quisesse dizer: Bom dia! Boa tarde! Boa noite! Tudo bem? Ainda atordoado me levantei com sua ajuda e me recompus. Ele me perguntou se estava tudo bem. Antes da minha resposta, levei mais duas porradas nas costas e ouvi ele dizer: “Apruma esse corpo, Santana!”. 

2ª Eu estava prestes a realizar o meu último desfile de 7 de setembro pelo colégio. Delmo me chamou e disse: “Santana, você vai comandar a turma do bumbo esse ano. Já não temos mais o Feola, Mauro Filho, Bernini e nem o Helvécio. Tudo bem? Vamos à sala dos professores porque quero lhe mostrar uma coisa”. Lá, me deparei com inúmeras peles para serem colocadas nos instrumentos da fanfarra. Imediatamente o meu bumbo foi vestido com peles novas. Vibrei muito. Para lhe agradar e mostrar o meu contentamento coloquei o bumbo no peitoral, evolui as baquetas e bati com força. Acreditem, furei as duas peles recém colocadas. Ele ficou possesso, irado, insano, gritou vários palavrões e disse que eu desfilaria com as peles velhas,  remendadas e que eu saísse da frente dele. Saí, não antes levar duas porradas nas costas e uma tentativa de chute na bunda. No dia 7 de setembro, fui pegar o meu bumbo para iniciarmos o desfile e o encontrei brilhando cheirando a kaol e vestido com duas peles novinhas. Ele sorriu para mim e me perguntou se eu estava satisfeito. Esse era o nosso grande, querido e amado líder. 

Pela sua importância, valor e representatividade, o nome, Delmo Maria da Silva se confunde e se entrelaça com o próprio Colégio Estadual Professor Soares Ferreira que ele reinou soberano por muitos anos.   

Valeu por tudo, Rei Delmo Maria da Silva!Foi um prazer conhecê-lo, admirá-lo e amá-lo. 

(Fontes: Livro: Morte – Estágio final da evolução de Elisabeth Kubler-Ross/ Blog Vittude – Cinco estágios do luto). 

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