Por Francisco Santana
Há tempos, seis senhores alegres e falantes se matricularam numa clínica médica para praticarem atividades físicas para hipertensos, diabéticos, cardiopatas e doentes renais. As aulas eram ministradas duas vezes por semana por uma fisioterapeuta e sempre tinha um médico. Eu disse aulas, mas poderia ter dito também momentos de lazer. No ambiente reinava alegria e contentamento, onde cada um aprendia a conviver com o seu problema e viver sem neuras, ansiedades e compaixões. Alguém nos apelidou de “Os dinossauros” e “Os Flintstones”. Se fosse hoje, seríamos apelidados de “Coleguinhas da Rainha da Inglaterra”.
Na época eu trabalhava na Telemig – Telecomunicações de Minas Gerais S/A, e tinha ainda um representante da Cemig – Companhia Energética de Minas Gerais, Epcar – Escola Preparatória de Cadetes do Ar, Banco do Brasil, um dentista e um produtor rural. Todos eram senhores sérios até começarem os exercícios. O nosso artista maior era o senhor José Rodrigues de Oliveira, vulgo “Zé do Martelo”, que eu duvido quem conseguisse ficar perto dele sem rir. A sua ausência nos deixava tristes e até silenciosos, acredite quem quiser.
Pelas conversas, o mais doente era o mais aplaudido. Coisa de louco, né! Vou tentar explicar. Um dizia que a sua glicose subia de conformidade com o seu estresse e que chegava à taxa de 200. O outro retrucava: “ganhei de você! A minha já chegou a 230”. Outros comentários: “E essa marca no seu peito, é safena?” “Sim! Implantei três pontes de safenas e duas mamárias” O outro retrucou levantando a camisa e mostrando uma grande cicatriz no peito: “Eu implantei seis safenas e sou considerado o safenado recordista em Barbacena!” Ele foi aplaudido. O inteligente Zé do Martelo disse que o amigo deveria ser indicado para ocupar o cargo de Ministro de Obras da Federação ou no mínimo Secretário de Obras do nosso município. O debate se alongava quando o assunto era colesterol. Eu nunca na minha vida ouvi tantas vezes as siglas HDL e LDL. Será que ainda me lembro? LDL (Low Density Lipoprotein) é uma lipoproteína de baixa densidade que transporta o colesterol do fígado e do intestino para as células dos tecidos do corpo humano. O LDL é considerado o colesterol do mau porque, com o nível elevado, permite o acúmulo de colesterol nas paredes internas das artérias. Esse é o estopim para o infarto e o acidente vascular cerebral. HDL (Hight Density Lipoprotein), ou lipoproteína de alta densidade, faz o inverso, retirando o excesso de colesterol e levando-o de volta ao fígado, para ser eliminado pelo corpo.
Gilberto pergunta: “Alguém pode nos explicar a diferença de ponte de safena e mamária numa revascularização do miocárdio?” Xavier respondeu: “Na ponte de safena, utiliza-se a veia da perna, chamada safena. Nós temos apenas duas veias safenas, uma em cada perna. A vantagem neste caso é que uma safena completa permite a construção de várias pontes. Na mamária, é utilizada uma artéria retirada da parede do tórax. Nós temos duas artérias mamárias.
O senhor Zé do Martelo era um ser diferenciado na nossa turma pela inteligência, humor apurado, raciocínio rápido e sabedoria. A sua elegância para os exercícios chamava a atenção. Enquanto todos trajavam roupas apropriadas para os exercícios ele aparecia de sapato, meia, calça e camisa social. Perguntávamos se ele estava vindo ou indo para algum evento também social. Lembro-me de discussões sobre hipertensão arterial e ele se despediu da turma para nosso espanto, pois os exercícios estavam apenas começando. A fisioterapeuta questionou o seu ato que foi assim explicado: “Eu vou embora porque aqui só tem amigos doentes e eu estou com medo de me contaminar” Ele era assim. Teve outro caso dele que gargalhamos muito. Ele disse que estava indo para sua casa sob um sol escaldante. De repente sua sombra projetada na calçada lhe chamou a atenção. Ele se encantou e começou a brincar com ela que sempre reproduzia seus gestos. Em dado momento ela não obedeceu ao seu comando. Ao olhar para trás eis que a sombra intrusa fora descoberta, era a de sua filha Hugolina que não o deixava sozinho um segundo sequer. Dessa vez além de ovacionado ele foi abraçado por todos.
Durante uma atividade comecei a suar em demasia, calor corporal intenso e dores na nuca. Fui levado imediatamente para uma avaliação médica. Fiz um eletrocardiograma e passei por vários outros exames e nada foi constatado. A fisioterapeuta foi ao consultório saber do médico o que estava acontecendo comigo. Ele a chamou num canto e falou: “O Santana foi acometido de uma crise aguda de piti”. A fisioterapeuta retrucou: “Eu tinha certeza que era piti, ao medir a sua pressão e perceber que ela estava 12 x 8 e o batimento cardíaco normal”. Fingi que não ouvi nada.
Na outra semana, eu fui procurado pelos amigos que queriam saber o que acontecera comigo. Expliquei tudo detalhadamente inclusive sobre o parecer médico. O que ninguém esperava era o questionamento de um integrante do grupo, um confesso hipocondríaco que disse: “Gente, tudo que o Santana sentiu eu também sinto várias vezes por semana. O meu coração bate tão forte que chega a mexer com a minha camisa. Já consultei com vários médicos e só agora descobri o nome da minha doença: PITI”.
Depois dessa, encerro minha crônica sem antes dizer que piti é um ataque histérico ou nervoso; chilique, escândalo, faniquito.