Um dia eu li que quando duas pessoas adultas se apaixonam, é porque a criança interior das duas se encontraram e brincam juntas. Não me refiro, em menor grau e hipótese, que crianças devem e podem se apaixonar por outras. Devemos ser totalmente contra incentivar atitudes e brincadeiras que colocam crianças como “namoradinhas”. Explico melhor sobre o que me refiro, vamos lá!
Nos ambientes públicos ou festas que estou, gosto sempre de reparar nas crianças presentes, suas brincadeiras e suas etapas. No começo, elas se entreolham desconfiadas. Buscam se agarrar na saia da mãe ou na perna do pai. Ansiosas por um convite, que tarda mais não falta: “vamos brincar?”. Depois disso, um solo de criatividade e energias infinitas é lavrado, fecundando uma extensiva semeadura de possibilidades horizontais! Horizontais que digo no sentido que todos são iguais durante a brincadeira, seguem as mesmas regras e têm a autonomia de propor rumos mais divertidos. Quando alguém não aceita brincar em conciliação com o outro, tornando a brincadeira vertical, logo fica brincando sozinha. Acho incrível o inesgotável repertório de possibilidades que elas criam em pouco espaço e poucos materiais para se chamar de brinquedo. Enquanto rezam para que demore cada vez mais, a hora de ir embora e se despedir daqueles que investiram uma vida inteira de histórias fabulosas dentro de poucas horas.
Tudo me soa que o processo de “crescer” é perder essa capacidade de baixar a guarda perante o outro, essa espontaneidade em ver diversão nas coisas, o rejeitar do convite. Vamos ficando cada vez mais parados, menos apurados em ser criativos. Escondemos essa criança que cada um foi de nós mesmos, como se fosse um adulto pique esconde mas que ninguém está nos procurando no fim.
Tem alguns ínfimos e íntimos momentos em que alguém nos encontra, grita nosso nome e conta 1,2,3. Ficamos espantados quando alguém encontra aquela criança escondida, que nem nós lembrávamos onde ela estava (criança pensa em cada esconderijo que só quem brincou sabe). Quando alguém nos encontra, é preciso saber inverter os papéis e estar disposto procurar a outra criança também. Toda brincadeira há de ser recíproca. O caminho que parte dessa petulância em nos vermos brincando mesmo velhos, inflexíveis, lentos e burocráticos… nos conduz ao inventário da mais absoluta e singela paixão. Não digo também que toda brincadeira há de resultar numa paixão, mas toda paixão com certeza se originou numa quebra de gelo entre duas antigas crianças. Brincando com cuidado com sentimentos do outro, como crianças compartilhando brinquedos. Os sentimentos são os brinquedos abstratos com que ainda permitimos e são capazes de nos entreter. Manuseando os do outro, com mesmo cuidado que com os nossos. Não concordo quando associam “brincar com sentimentos” com algo irresponsável.
Lembro que eu não brincava muito com outras pessoas, gostava de brincar mais sozinho. Tinha medo de não ser capaz de entrar nas brincadeiras, alguém discordar do meu propor novos rumos ou rirem dos meus brinquedos. Não existe nada pior do que os outros rirem dos seus brinquedos, aquilo que te diverte na mais sensível intimidade. Porém só eu sabia, o quão longe minha mente estava disposta a viajar numa diversão. Esse medo de brincar me acompanhou muito depois de crescer, me fazendo rejeitar convites e oportunidades de experimentações únicas.
Ainda em passos lentos e medrosos, hoje me apaixono, me permito e me fiscalizo a brincar cada vez mais. Importo milhares de brinquedos / sentimentos que ainda nem sei manuseá-los ou para que servem, mas estou disposto a aprender e me reinventar criança, juntamente com outra criança crescida que me achou e gritou meu nome (Otávio 1,2,3). Ela soube me achar, onde eu nem sonhava ainda existir possibilidade de brincadeira. Espero que não me chamem tão cedo para ir embora.
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