Improbidade Administrativa: um estudo sobre seus atos, sujeitos, sanções e procedimentos

Duas palavras para arrepiar o gestor público: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

A relevância do tema para estudantes, concurseiros e, em geral, operadores do Direito é inegável, não só por todo arcabouço já existente quanto pelas sensíveis alterações realizadas pela Lei 14.230/2021 (recente, não?) sobre o texto da Lei 8.429/1992.

A improbidade administrativa é o ato ilegal praticado pelo agente público (aqui em um conceito bem elástico) que fere o erário e/ou alguns Princípios da Administração Pública. Sua natureza NÃO É penal (apesar da existência de sanções, quase equivocadamente chamadas de penas), porém certamente cível.

O presente estudo, analisará os quatro atos tidos como ilegais, os sujeitos ativos e passivos da prática, bem como as cinco sanções hoje existentes, não obstante uma breve observação sobre os procedimentos e a polêmica da existência ou não de prescrição.

  1. OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

De acordo com a Lei 8.429/1992 são quatro os atos que podem ensejar a configuração de improbidade administrativa a saber: enriquecimento ilícito; dano/prejuízo ao erário; concessão indevida de benefício financeiro ou tributário e; ofensa aos Princípios da Administração Pública.

O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO (Art.9º) é caracterizado pela obtenção de vantagem patrimonial indevida dolosa. Conforme acertada previsão do Art. 37, §4º da Lei Maior, o procedimento cível não obsta nem prejudica a ação penal cabível, o que na prática na visível na apuração de crimes próprios da administração pública como corrupção ativa, corrupção passiva e concussão. Embora seja comum o enriquecimento ilícito andar de mãos dadas com o prejuízo ao erário (como por exemplo, “bola” em licitação), pode haver a obtenção de vantagem indevida sem causar prejuízo aos cofres públicos (ex.: pedido de suborno.)

O PREJUÍZO AO ERÁRIO (Art. 10) pode ocorrer por ação ou omissão e, diferente da regra geral (reforçada pela novíssima Lei 14.230/2021) da improbidade administrativa que exige o elemento subjetivo dolo, pode ocorrer o dano de forma culposa, porém ambos passíveis de ressarcimento. Tendo exemplo frequente em matéria de licitações, o prejuízo ao erário pode ocorrer, ainda que culposamente, na compra ou contratação pública com preço despercebidamente superfaturado. Já a forma dolosa, quase sempre vem com o enriquecimento ilícito à tira colo.

A CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO FINANCEIRO/TRIBUTÁRIO é novidade trazida em 2016 (apesar da eficácia valer só após dezembro de 2017) trazida pela LC 157 que alterou a LC 116 com a criação do Art. 8º-A nesta. O ato de improbidade ocorrer na redução do ISSQN abaixo do percentual mínimo de 2% ou nas isenções do tributo, fora das exceções em lei prevista na lista de serviços anexa à LC 116/2003: 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS); 7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS); e 16.01 – Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros.

E o último ato de improbidade em estudo é a ação ou omissão dolosa que ATENTE CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (não limitado os cinco expressos do Art. 37, caput da CF [“LIMPE”]), sendo exemplo frequente em exames acadêmicos e provas de concursos condutas ofensivas à moralidade. Claro que atos como enriquecimento ilícito e dano ao erário sempre atentam minimamente contra a legalidade, porém essas duas hipóteses não são os únicos casos de improbidade que atente contra os princípios administrativos. Situações comumente cobradas em avaliações podem envolver desde assédio sexual até atingir o ápice da tortura em interrogatório (ambas condutas não envolvem em absoluto enriquecimento ilícito nem prejuízo ao erário – fica a dica!)

OBSERVAÇÃO: destaca-se que dada sua natureza cível, não se aplica o Princípio Penal da Insignificância/Bagatela na apuração dos atos de improbidade administrativa.

  1. SUJEITOS PASSIVOS

Conforme Art. 1º da Lei 8.429/1992 podem ser vítimas da improbidade administrativa: os entes da Administração Pública Direta e Indireta (inclusive as fundacionais); as empresas incorporadas aos Patrimônio Público e; as entidades que recebam ou sejam mantidas com recursos do erário superiores a 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio ou receita anual.

E quando as entidades recebem menos de cinquenta por cento? Neste caso o parágrafo único do Art. 1º estabelece sanção mais branda, limitada à repercussão patrimonial do ilícito sobre os cofres públicos.

  1. SUJEITOS ATIVOS

Na outra ponta do espectro, conforme Art.2º da Lei 8.429 podem praticar os atos de improbidade administrativa: os agentes públicos em sentido amplo, ou seja, mesmo aqueles que ocupem função pública de forma transitório ou ainda que não remunerada, podem ser sujeitos ativos.

Interessante apontar para o Informativo nº 568 do STJ que pacificou que o estagiário pode ser sujeito ativo (agente público) da conduta de improbidade administrativa, bem como o agente político pode responder cumulativamente com crime de responsabilidade sem configurar “bis in idem” devido ao duplo regime sancionatório bem explicado no Informativo nº 901 do STF, sem foro de prerrogativa. Obs.: para esta última hipótese (agente político) está excetuado o Presidente da República!

Além do agente público, o Art. 3º da Lei 8.429/1992 prevê que o particular (que induz, concorre ou se beneficia direta ou indiretamente) também pode ser sujeito ativo na improbidade administrativa. Atentos ao melhor entendimento dos Tribunais, fundamental salientar que o particular pode expressamente praticar improbidade, porém nunca responderá sozinho pelo ato, estando sempre acompanhado de agente público conforme importante precedente do Recurso Especial nº 1.405 do STJ.

  1. SANÇÕES

Ainda que chamadas de “penas” sob crítica, as sanções punitivas costumam ser as campeãs de pegadinhas nas questões objetivas das primeiras etapas de diversos concursos públicos. Neste sentido, não faltam quadros e mapas mentais facilmente achados na internet e sites especializados que ajudam na memorização e aprendizado.

Como este texto tem formato de artigo, vou explicitar em forma de parágrafos as cinco sanções de natureza cível previstas no Art. 12 da Lei 8.429:

PERDA DE BENS E/OU VALORES em desfavor do sujeito ativo – nada mais basilar que aquele que enriqueceu ilicitamente com a improbidade administrativa responda com seu patrimônio particular. Paralelamente, nos casos de prejuízo ao erário também há essa sanção, porém apenas quando o agente concorre para o dano, ainda que culposamente. A novíssima Lei 14.230 segura um pouco essa penalidade, limitando bloqueios das contas bancárias dos acusados, dando preferência a bens de menor liquidez, como imóveis e automóveis.

RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO – esta sanção sempre será cabível quando houver dano ao erário e muitas vezes aplicada quando houver dano cumulativo às condutas de enriquecimento ilícito e atentado contra os Princípios da Administração Pública. A Lei 14.230 prevê parcelamento de até 48 prestações para devolução aos cofres públicos e o Informativo 910 do STF trata como imprescindível o ressarcimento diante das condutas dolosas.

PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA – seja efetiva, eletiva ou comissionada, o agente público pode ser arrancado de sua função em qualquer uma das quatro hipóteses da prática de improbidade administrativa.

SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS – claro que a improbidade administrativa não impede a capacidade política ativa (direito de votar), porém  pode vir a suspender os direitos políticos passivos (ser votado) pelos seguintes prazos de acordo com o ato:

– Atentado aos Princípios Administrativos (Art. 12, III) – 3 a 5 anos.

– Concessão indevida de benefício financeiro/tributário (Art. 12, IV – 3 a 5 anos).

– Prejuízo ao erário (Art. 12, II) – 5 a 8 anos.

– Enriquecimento ilícito (Art. 12, I) – 8 a 10 anos.

MULTA CIVIL – cabível em cada uma das quatro hipóteses de improbidade administrativa, a multa civil sofre variação de acordo com o ato:

– Atentado aos Princípios Administrativos – até 100 vezes o valor da remuneração.

– Concessão indevida de benefício financeiro/tributário – até 3 vezes o valor da concessão.

– Prejuízo ao erário – até 2 vezes o valor do dano aos cofres públicos.

– Enriquecimento ilícito (Art. 12, I) – até 3 vezes o valor da vantagem patrimonial indevidamente recebida.

A última sanção prevista recai sobre particulares e entidades que podem ser penalizadas com a PROIBIÇÃO EM CONTRATAR/RECEBER BENEFÍCIO, não havendo incidência sobre a concessão de benefício financeiro/tributário, limitado aos prazos de acordo com as hipóteses:

– Atentado aos Princípios Administrativos (Art. 12, III) – até 3 anos.

– Prejuízo ao erário (Art. 12, II) – até 5 anos.

– Enriquecimento ilícito (Art. 12, I) – até 10 anos.

  1. PECULIARIDADES NOS PROCEDIMENTOS e a PRESCRIÇÃO

De acordo com a Lei 8.429, a apuração de ato de improbidade administrativa pode ocorrer pelas vias administrativa (Art. 14 a 16) e/ou judicial (Ação Civil de Improbidade Administrativa – Art. 17 e 18.)

Os legitimados para ingressar com a ação judicial são o Ministério Público, evidentemente, e a Pessoa Jurídica interessada (afetado pela improbidade.)

Novidade com a edição do chamado PACOTE ANTICRIME (Lei 13.964/2019) é a possibilidade de acordo de não persecução cível  (alterando o Art. 17 da Lei 8.429), inclusive com a previsão de interrupção do prazo de contestação por até 10 (dez) dias.

O que não é novidade é dizer que o dano ao erário é imprescritível, contudo repito aqui que essa máxima só ocorre no Art. 12, II da Lei 8.429/1992 quando do prejuízo ao erário de forma dolosa.

Pelo Princípio da Segurança das Relações Jurídicas não seria correto nem adequado inexistir prescrição em matéria de improbidade administrativa, isto, sem falar da previsão expressa do Art. 23 da referida Lei, logo temos a previsão do prazo de 5 anos para ajuizamento da ação quando: o sujeito ativo estiver em função de cargo eletivo ou comissionado (prazo que se inicia ao final do vínculo com a administração pública) e na hipótese do parágrafo único do Art. 1º, a contar da apresentação da prestação de contas.

E, quando o sujeito ativo for titular de cargo efetivo ou emprego público, o prazo para ajuizar Ação Civil de Improbidade Administrativa vai variar e acompanhar a previsão do estatuto do servidor público pertinente, seguindo a hipótese de demissão a bem do serviço público.

NOTA DE REDAÇÃO – Cícero Mouteira é advogado, professor, servidor público comissionado e orgulhosamente jamais respondeu por qualquer ato de improbidade administrativa.

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