História de Nossa Terra: O primeiro automóvel que trafegou nas ruas de Barbacena foi um Cadillac

Miguel Quillici, o imigrante e empresário barbacenense, foi quem adquiriu o primeiro veículo automotor que tomou conta das ruas da cidade pela primeira vez

Por Silvério Ribeiro

 

A foto do automóvel estacionado em frente ao Jardim Municipal de Barbacena, assistido por um atônito grupo de crianças que parecem aguardar o próximo passeio no veículo, revela também dois carros de praça puxados a cavalo, um mais próximo e outro estacionado em frente à antiga Escola Normal. Na chapa fotográfica podemos ver também o coreto. O local é em frente à Matriz de Nossa Senhora da Piedade, na atual Praça dos Andradas. Creio, houvesse outro veículo similar nesta data, os proprietários iriam prepará-los lado a lado para a chapa fotográfica.

Considerando as fontes disponíveis de jornais antigos e livros históricos de nosso município, uns tão completos quanto o de Massena (1985), nos propiciaram detalhes sobre a instalação da primeira usina de eletricidade ou a inauguração da primeira fábrica de tecidos na cidade. Informações técnicas sobre a produção do fio de seda na Estação Sericícola de Barbacena, também não foram complicados de se localizar. O problema foi encontrar informações suficientes que pudessem precisar quando o primeiro veículo automotor chegou à nossa cidade.

Massena (1985) afirma que foi Orlando Piergentili, outro imigrante italiano, quem deu a conhecer a Barbacena o primeiro automóvel que aí trafegou. Perguntas sem respostas: Quando foi este acontecimento? Em que ano o primeiro automóvel foi desembarcado em Barbacena? Qual era o modelo do veículo?

O acervo de jornais da cidade à época a que tive acesso, O Sericicultor, o Cidade de Barbacena e o Jornal da Tarde não apresentaram qualquer notícia sobre este fato. O Cidade de Barbacena, que possui o maior e o mais completo acervo, não nos propiciou qualquer assertiva sobre o assunto.

O primeiro automóvel que trafegou no estado de Minas Gerais foi de propriedade do Governador João Pinheiro, adquirido em 1904. Nos registros da Câmara Municipal de Barbacena consta, em 1908, as normas relativas ao trânsito de veículos na cidade. O aviso detalha que era proibido o trânsito de carros sem guia ou candeeiros pelas ruas, praças e estradas públicas. Os veículos citados são todos de tração animal, constando a necessidade de possuírem lanternas acesas à noite, controle para que não fizessem os cavalos galopar pelas ruas e praças, como também, não deixarem os animais soltos no perímetro urbano. Nada consta sobre veículos automotores.

O Cidade de Barbacena, de 24 de agosto de 1911, num artigo intitulado Melhoramentos de Barbacena exaltou a necessidade de se investir na infraestrutura local, considerando a possibilidade da cidade passar a receber veranistas, cujo clima agradabilíssimo, fariam os habitantes das grandes cidades a preferirem a cidade também por causa de sua vida urbana pacata, numa “sociedade que goza ausência do jogo do bicho e dos automóveis e de quaisquer epidemias”, ou seja, a certeza de que até 1911 ainda não tínhamos veículos automotores em Barbacena.

O mesmo jornal, em 15 de fevereiro de 1912, volta a exaltar a cidade para todos os aspectos de vida, mas, desta vez, a nota traz um detalhe em especial:

 

“… Povo essencialmente hospitaleiro, recebe os seus visitantes com um affecto que sobremodo captiva. Servem à cidade grande número de carros de praça e dois automóveis, que lhe dão muita graça, oferecendo lhe um aspecto distincto, que muito agrada aos visitantes. A parte principal dessa cidade faz lembrar os encantadores bairros de Botafogo”

 

Portanto, a matéria revela a existência de dois automóveis na cidade, em fevereiro de 1912. Considerando esta primeira e mais antiga fonte que encontramos sobre a existência de veículos automotores em Barbacena, tudo leva a crer que os dois automóveis que trafegaram ali, chegaram entre agosto de 1911 e fevereiro de 1912.

No trabalho de pesquisa que realizei, entrevistando famílias antigas do município de Barbacena, obtive a negativa de que fora Piergentili quem trouxe à cidade o seu primeiro veículo. A afirmativa foi a de que outro imigrante é quem serviu Barbacena de seu primeiro veículo automotor, um italiano, de apelido Miguilim, que morava no alto da Avenida Floriano Peixoto, na altura onde hoje está localizado o IMAIP.

Na senda de pesquisador faltava a certeza de qual veículo automotor foi o primeiro a trafegar na cidade. Na ausência de mais dados bibliográficos em jornais sobre o assunto, os caminhos viáveis eram o da transmissão oral contada pelos antigos ou as provas documentais e uma delas, a fotografia.

O levantamento fotográfico me trouxe aos olhos uma foto, em especial, retratando um automóvel, caracteristicamente do início do século XX, apinhado de crianças no banco traseiro. O motorista bem vestido, tendo ao seu lado um homem que mais parece ser o chauffeur de verdade, ou pelo menos o ajudante na empreitada de dirigir veículos desta natureza, que eram acionados por manipula, como se vê claramente na imagem.

A confirmação de que na foto tratava-se do veículo de propriedade do Sr. Michele Quilici, nome abrasileirado para Miguel Quilici, se deu por uma entrevista que fiz ao Diretor do Museu Municipal de Barbacena, Sr. Jorge Arnaldo do Nascimento. Sim. O homem de chapéu, em destaque no automóvel, é sim, o imigrante Miguel Quilici. O veículo é um Cadillac Modelo 30 de 1909.

A fábrica norte-americana Cadillac Motor Car Company apresentou o Modelo 30, em dezembro de 1908, produziu e vendeu 5.903 unidades deste veículo. O preço de venda, considerado acessível à época, era de US$1.400,00 (mil e quatrocentos dólares).

 

Desenho do Modelo 30 – 1909 – Cadillac Motor Car Company. Catálogo original da empresa

 

O Cadillac 1908 possuía um motor 4 cilindros, carburado, com 25,6 cavalos de força, acionado por manípula, 4 marchas, sendo uma delas a marcha-ré. A fábrica apresentava como opcionais a capota para o veículo e bancos de couro ou madeira. A Cadillac oferecia três modelos: duas portas para cinco passageiros, duas portas para quatro passageiros e um modelo compacto para três passageiros. O Modelo 30 possuía inovações tecnológicas na carroceria, nos chassis, na barra de direção e no motor que possuía uma bomba d’água diferente dos modelos anteriores.

O Cadillac de Miguel Quilici, que foi de fato o primeiro automóvel a trafegar nas ruas de Barbacena, levou um fim que desconhecemos. A fábrica produziu os mais de cinco mil veículos deste modelo sob os números sequencias 32.002 a 37.904 impressos logo acima de sua manípula e reimpressos sobre os seus cilindros. Os raros modelos Cadillac ainda em funcionamento no mundo estão sob propriedade de colecionadores de automóveis antigos e, quem sabe, por sorte, o primeiro veículo que trafegou em Barbacena possa ainda estar em pleno funcionamento, encantando aficionados por essas maravilhas tecnológicas.

 

 

NOTA DA REDAÇÃO: Silvério Ribeiro é Pesquisador e Escritor

 

Fontes:

Jornais:

Cidade de Barbacena, Barbacena-MG. Edição de 24 de agosto de 1911.

Cidade de Barbacena, Barbacena-MG. Edição de 15 de fevereiro de 1912.

Livros:

MASSENA, Nestor. Barbacena – A Terra e o Homem. Belo Horizonte. Imprensa Oficial, 1985. Volume II.

RIBEIRO, José Silvério. História Econômica do Município de Barbacena. 2012. Editora Cidade de Barbacena, págs. 407-11

Site:

www.motorera.com/cadillac/cad1900/CAD09s.HTM. Acesso em 02/03/2009.

 

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