Heróis da minha infância

A crônica de Francisco Santana

Hoje vou homenagear e perpetuar alguns dos heróis da minha infância.

 

Passando pela Igreja de Nossa Senhora da Piedade deparei-me com dezenas de pessoas amontoadas e ouvi uma voz estridente e fui lá verificar. Baixinho e magro não tive dificuldades de penetrar no meio daquela massa para verificar o que estava acontecendo. Os gritos eram de um jovem magro, alto, que hoje me faz lembrar o Reginaldo Rossi. Ele vendia ervas, capins, cascas e troncos de árvores, flores, frutos, cipós e vi até um casco de tatu. Tudo espalhado sobre folhas de jornal. Ele fazia piadas e tentava de todas as formas comercializar o seu produto e obtinha êxito. No meio da multidão tinha um jovem alto, magro, que me faz lembrar o Reginaldo Rossi, questionando os produtos considerando-os ineficazes. Que sujeito chato! Os dois chegaram a discutir num tom de brincadeira. O vendedor pegou uma casca de uma árvore dizendo que ela curava qualquer doença inclusive levantar o que estava quase morto. O moço chato da plateia gargalhou e pediu uma prova dos benefícios daquela casca. O vendedor perguntou se na plateia tinha alguém disposto a participar de uma mágica comprobatória de sua integridade. Um jovem magro, alto, que me faz lembrar Reginaldo Rossi se apresentou como cobaia. O vendedor o agradeceu dizendo com voz altíssima que faria aquele rapaz botar um ovo. O rapaz amedrontado disse: “Moço! Eu não vou botar ovo não, quem bota ovo é galinha e eu não sou galinha, sou gente!” O vendedor fechou os olhos, orou, desmaiou, se levantou, seus olhos estavam vermelhos e lacrimejantes. Nesse momento ele colocou a mão na testa do menino e a outra na bunda do menino tirando de lá um ovo. Ele foi aplaudido. Entrei na igreja para rezar. No outro dia quando eu rumava para o centro da cidade, vi na minha frente os três artistas do show caminhando, conversando e sorrindo. Descobri que os três eram irmãos. Hoje eu diria: Reginaldo Rossi um, dois e três. Essa descoberta nunca tirou o brilho deles.

 

A minha vizinha sempre era visitada pelo seu sobrinho que vou chamá-lo de “Borracha”. Rapaz alto, forte e que fazia coisas com o seu corpo que fugia do meu entendimento de aluno do grupo escolar.  Eu vi o Borracha tirar a camisa, fechar os olhos, colocar as mãos nos joelhos e movimentar todos os órgãos abdominais. Não tenho dúvidas de que os rins trocaram de lugar, o intestino subiu e o estômago desceu, o fígado revezou a localização com o pâncreas. Era genial. De repente ele ficava de pé e fazia o peitoral bailar e repetia a cena com o bicpes, triceps e musculatura dos ombros. Genial, fantástico, inacreditável. Nada disso superou quando ele apareceu com um pedaço de barbante nas mãos colocando uma ponta na narina, inspirou com força e a ponta do barbante apareceu saindo da boca. Eu tive que aplaudi-lo. Criei coragem e lhe perguntei o que era aquilo e como ele conseguia fazer aquelas coisas. Ele me respondeu dizendo que aquela técnica se chamava Hatha Yoga e que tudo era provocado pela força da mente. Não entendi, mas me fiz de entendido. Durante os exercícios ele tocava em algumas partes do corpo e repetia uma palavra que eu me apaixonei por ela: Chakras. Cheguei a pensar em batizar meus filhos de  Chakra 1, Chakra 2 e Chakra 3. Só pensei, para não ser linchado. No final dos exercícios ela fazia uma saudação e dizia: “Namastê”, que hoje aprendi o seu significado, “eu o saúdo” ou “eu o reverencio”. Namastê!

Eu ficava admirado observando bem de perto o Senhor Olavo, de estatura baixa, cabelos grisalhos, voz mansa, atencioso que ficava todos os domingos ao lado da Igreja da Piedade, depois da missa das 10h girando a manivela do seu realejo, que emitia um som inconfundível. Junto dele, uma gaiola com um periquito dentro que a uma voz de comando do Senhor Olavo abria a portinhola e puxava uma gaveta cheia de papéis dobrados e escolhia um deles. As mensagens eram de otimismo, fé, amor e perseverança como: “Não desista porque hoje não deu certo! Tenha fé e lute dia após dia por um futuro melhor”, “Nunca desista dos seus sonhos; fé, coragem e perseverança, são as palavras chaves para que eles sejam alcançados”, “Não importa a cor do céu. Quem faz o dia bonito é você”, “Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela”.

Era carnaval. Na rua muita gente fantasiada, homens travestidos de mulheres e mulheres travestidas de homens. Quanta curiosidade! Apareceu lá um jovem carregando uma mala grande que ele a chamava de Catarina. Ele abriu a Catarina, ou melhor, dizendo, a mala, tirando do seu interior uma boneca de roupa estampada e muito maquiada. Os dois dançavam, requebravam, ele a jogava para o alto a pegava e continuava a dançar, requebrar e etc. Parecendo cansado ele ajeitava os braços e as pernas da boneca e a acomodava dentro da mala. De repente, simulando ouvir algo ele abria a mala e de lá saía uma mulher. Eu estava incrédulo e sacudia a cabeça não acreditando no que via e como pode uma mulher caber dentro daquela mala e me questionei se ela tinha osso na sua formação corpórea.

 

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