Hackers invadem reunião virtual com ataques racistas

Na última terça-feira (07), durante apresentação da oficina “Genocídio da Juventude Negra”, que faz parte das ações do Projeto de Ensino de Ações Afirmativas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Sudeste MG, hackers invadiram a sala de transmissão projetando imagens de cunho sexual e pornográfico à professora e pró-reitora de extensão, Rosana Machado de Souza, além de declararem ofensas de cunho racial.

Após o acontecimento, o Núcleo de Estudos Afro- Brasileiros e Indígenas (NEABI) do IF Sudeste MG- Campus São João Del Rei manifestou solidariedade à Pró-Reitora de Extensão através de uma nota, repudiando quaisquer atos de racismo. Confira na íntegra: 

“É importante esclarecer que, segundo a Resolução n°58/2020 do IF Sudeste MG, que instituiu o REGULAMENTO DOS NÚCLEOS DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS E INDÍGENAS (NEABI’s) do IF Sudeste MG, o NEABI do Campus São João del-Rei, assim como os demais núcleos “são os núcleos de coordenação, planejamento, assessoramento e monitoramento de ações de ensino, pesquisa e extensão com foco na temática das identidades e relações étnico-raciais das populações afrodescendentes, remanescentes quilombolas, remanescentes indígenas e indígenas. Os NEABIs atuam como multiplicadores de educação para a convivência e respeito da diversidade, contribuindo para a equidade racial e promoção da Educação das relações étnico-raciais” ( Art 2° da Resolução n°58/2020).

Tal resolução foi ancorada em leis federais já promulgados e que representam avanços na busca do respeito à diversidade e à educação das relações etno-raciais como as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tratam da a colaboração ao ensino de História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena; o Estatuto da Igualdade Racial, Lei N° 12.888/2010 e a a Lei N° 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso de negros e indígenas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, por meio da implementação de cotas raciais.

A atuação de nosso NEABI, bem como de seus membros, e os projetos apoiados por nós, como é o Projeto de Ensino de Ações Afirmativas “ “Jovens Mulheres Negras: Despertar na Pandemia contra o Feminicídio.”, visam fortalecer a busca para uma educação antirracista e o combate às desigualdades de gênero, raça e credo que possam existir nos ambientes acadêmicos e nas comunidades dos 10 municípios nos quais o IF Sudeste MG está presente, reforçando o compromisso premente em nosso Estatuto de que, em seu artigo 3°, apresenta “como princípio norteador da instituição o compromisso com a educação inclusiva e emancipatória”.

Atividades como a oficina “Genocídio da População Negra”, portanto, são essenciais nesse processo. Infelizmente, este não foi o primeiro ataque que o NEABI sofre em suas atividades. Recentemente, durante o 3° Encontro do Ciclo de Formação do NEABI a Professora Marielle Costa Silva, convidada do Coletivo Severinas sofreu ataques durante sua apresentação, tendo, inclusive seus dados pessoais e bancários sendo expostos no chat do Google Meet.

A atividade dava sequência a uma série de quatro encontros que integram as ações do projeto de extensão “As Carolinas de 2021: vivências interseccionais de gênero, raça e classe no Brasil pandêmico”, desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Apoio à Extensão (PIAEX) do IF Sudeste MG. O projeto está sendo realizado em parceria com o Coletivo Severinas da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei), entidade parceira do Campus São João del-Rei do IF Sudeste MG.

O NEABI também se solidariza à Professora Marielle e garantirá que, por meio da continuidade de nossas atividades, não recuará diante desses ataques e buscará as providências necessárias em reparação ao ocorrido com as professoras Rosana e Marielle.

Inicialmente, o NEABI já busca formas de tornar suas próximas atividades mais seguras com solicitação de inscrição prévia e não divulgação direta do link de suas atividades. O acesso à sala será controlado via lista de presença.

Já iniciamos os esforços também para a responsabilização dos infratores, lembrando que o que ocorreu com a Professora Rosana Machado é crime, sob diversos aspectos, e por isso demanda punição nas esferas civil, penal e administrativa dos responsáveis.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima, que foi o que ocorreu diretamente com a Professora Rosana, mulher autodeclarada negra, Pró-Reitora de Extensão, Vice-Coordenadora da Regional Sudeste do Consórcio Nacional de NEABs, NEABIs e grupos correlatos (CONNEABs).  Rosana faz parte ainda do Fórum Nacional de Performance Negra e da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) – ABPN.

E mesmo neste lugar de destaque e visibilidade que a Professora Rosana tem por mérito de sua experiência como servidora pública e militante negra, ainda assim é vítima de um sistema opressor de racismo estrutural que gera situações como a que vivenciamos de vandalismo e injúria racial enquanto palestrante da oficina “Genocídio da juventude negra”.

A ideia de racismo estrutural está ligada ao modo como a sociedade organiza as relações sociais e se conecta (ver autores como Silvio Luiz de Almeida (2018), Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2012) Achille Mbembe (2014)). O racismo estrutural é essa naturalização de ações, hábitos, situações, falas e pensamentos que já fazem parte da vida cotidiana do povo brasileiro, e que promovem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Um processo que atinge tão duramente — e diariamente — a população negra.

Além da instância civil e penal, os responsáveis, se alunos, estão sujeitos a sanções administrativas conforme nosso Regulamento de Conduta Discente que traz como as condutas vedadas aos estudantes, Artigo 16, inciso XVIII, “Cometer ofensa, dano moral ou físico, contra qualquer pessoa, inclusive bullying e cyberbullying, no âmbito da instituição ou contra o IF Sudeste MG, incluindo servidores e discentes (Cf. Lei 13.185, de 06 de novembro de 2015)”. O Regulamento de Conduta Discentes prevê diversas sanções que vão desde advertência ao desligamento dos infratores, que é o caso da infração referente ao inciso XVIII supracitado (Art. 20, § 9º do Regulamento de Conduta Discente)

Ressalta-se, por fim, que os “vândalos” fazem ainda em sua conduta o que se enquadra no crime previsto no Código Penal Brasileiro, Decreto- Lei 2848/40, artigo 331 ” Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”. Segundo interpretação do Professor Doutor Paulo Edson Marques, ex-procurador de Justiça e escritor de diversos livros de Direito Constitucional, Penal e Processual Penal, o crime de desacato é: ” crime de injúria contra funcionário público, que está no exercício da função, ou quando a ofensa só lhe é dirigida, porque tem a função pública.  A moral do funcionário público, no exercício de sua função ou em razão dela deve ser protegida pela lei, mais do que o próprio cidadão, porque a desmoralização do funcionário público é o desacreditamento da própria Administração Pública”.

Diante dos fatos aqui expostos, o NEABI do IF Sudeste MG- Campus São João del-Rei não se restringirá a esta nota de repúdio como também tomará todas as providências necessárias para identificação e punição dos infratores com o apoio institucional da Direção-Geral do Campus São João del-Rei, representado pela Professora Teresinha Magalhães, bem como da Reitoria do IF Sudeste MG, na pessoa do Reitor, Professor André Diniz.

Finalizamos citando Simone de Beauvouir sobre a questão do machismo estrutural “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”. Quanto às relações étnico-raciais, também nos manteremos vigilantes, não aceitaremos retrocessos e como disse a própria Professora Rosana durante os ataques recebidos, aos que sustentam um discurso ódio e insistem em uma política de privilégios da branquitude, um recado: Vai ter pretos no topo! Vocês não conseguirão silenciá-los!”

 

São João del-Rei, 09 de dezembro de 2021

 

Membros NEABI- IF Sudeste MG- Campus São João del-Rei: Carla F. Gouvêa Lopes, Eva Vilma Muniz de Oliveira, Juliana Rodrigues de Almeida, Alessandra Furtado Fernandes, Amanda Carolina Costa Silveira, Anderson Geraldo Rodrigues, André Luis Fonseca Furtado, Bernadete Malta Barroso, Celso Luiz de Souza, Diogo Pereira Matos, Igor Cerri, Janaína Faria Cardoso Maia, Kelen Benfenatti Paiva, Paula Aparecida Alves, Priscila Fernandes Sant’Anna, Rosana Machado de Souza.

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