Direito ao esquecimento na visão do STF: Uma expectativa incompatível com a CF

Como diria o poeta Charles Bukowski: “Algumas pessoas são inesquecíveis e para isso não há cura!”

 

Talvez alguns fatos também sejam inesquecíveis e igualmente incuráveis!

 

Assim, que atire a primeira pedra quem nunca errou! Isso é Bíblico e extremamente profundo. É gostoso criticar, sempre falo isso. Para certas pessoas, falar e julgar a vida alheia é quase um esporte. E na era das redes sociais e de caras enviadas na tela de um celular, os pecados, além de expostos e publicados, são eternizados. Seria uma espécie de #TBT?

 

Como professor da Parte Geral de Direito Civil, sou fã e razoável conhecedor dos direitos da personalidade (Art. 11 a 21, CC), tais como nome, imagem, honra, integridade física e privacidade. E o Direito ao Esquecimento tem relação íntima com esses direitos que toda pessoa natural possui desde o seu nascimento com vida (Art. 2º, CC).

 

Acho apropriado aqui, refletir sobre as felizes palavras do imortal Martin Luther King: “Nós não somos o que gostaríamos de ser. Nós não somos o que ainda iremos ser. Mas, graças a Deus, Não somos mais quem nós éramos.”

 

Evoluir foi a chave de Darwin para o sucesso de certas espécies e animais racionais que somos, não ser mais o que éramos é fundamental para a cada dia nos tornarmos alguém melhor!

 

Quem não possui um arrependimento? Um fato ou uma conduta em nosso passado que, se houvesse a sonhada máquina do tempo, ela seria usada  para voltar em determinado momento e fazer diferente! Esse delírio de ficção científica não existe! Sendo assim, o que nos cabe é a busca em “ir e não errar mais”… porém isso fica muito difícil (e beirando o impossível) quando os erros pretéritos são regularmente esfregados na nossa cara.

 

O Direito ao Esquecimento também teria relação com o Direito Fundamental à Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, da Constituição Federal), visando dentre outros aspectos que o indivíduo criminoso (por exemplo) pudesse ser inserido na sociedade de bem após pagar sua dívida, sem ser constantemente relembrado a todos quanto suas falhas pregressas.

 

E já que possui um aparente conflito constitucional (afinal a liberdade de expressão e de comunicação são igualmente protegidas pela Carta Magna) coube ao STF em fevereiro do corrente ano (2021) harmonizar os interesses e decidir que o Direito ao Esquecimento não é compatível com a CF:

 

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

 

O caso que foi julgado partiu do Programa “Linha Direta” da Rede Globo, ano de 2004, ao relembrar o brutal assassinato da menina Aida Curi, morta em 1958. Razoável questionar portanto, se um evento monstruoso, após tantos anos deveria continuar a ser objeto da mídia, ou se seria um abuso de direito passível de reparação a título de danos morais a pedido da família.

 

No Direito Europeu, o Direito ao Esquecimento é bem visto e recepcionado, sobretudo em matéria criminal, quando o condenado cumpre sua pena e quita sua dívida com a sociedade. No Brasil, porém, o importante julgado do corrente ano afirma que se o fato noticiada é verdadeiro, com informações obtidas e publicadas de forma lícita, não há abuso de direito, sob pena de censura em uma análise mais radical do tema.

 

Porém, fecho bem este artigo ponderando o julgado e harmonizando justamente com a inteligência do Art. 187 do Código Civil Brasileiro que define que também é ato ilícito o abuso de direito. Aqui, o causador do dano começa a conduta dentro da legalidade (usando sua liberdade de expressão ou de comunicação), porém em determinado momento excede manifestamente os limites de seu direito, desrespeitando seja de forma inverídica ou ilícita a vítima. Traduzindo, não há o Direito ao Esquecimento em terras tupiniquins, porém a notícia ou informação que for divulgada além do registro ou lembrete histórico e atingir abusivamente a honra e a dignidade da vítima, neste caso entendo que excepcionalmente caberia indenização por danos morais.

 

NOTA DE REDAÇÃO: Cícero Mouteira (@professorciceromouteira – segue lá no Instagram!) é advogado, professor, articulista e vive esquecendo onde deixou o óculos, a carteira, o celular…

 

 

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