“Da janela lateral/ Do quarto de dormir/Vejo uma igreja, um sinal de glória/Vejo um muro branco e um vôo pássaro/ Vejo uma grade, um velho sinal”.
(Paisagem da janela – Lô Borges).
Nesta semana eu estava sem assunto para redigir uma crônica. Nada me inspirava, nada me encantava. Fui para a janela do meu quarto para desanuviar a tensão. Local privilegiado porque avisto toda a rua. Pronto! Chegou a inspiração. Fiquei debruçado nela por aproximadamente 30 minutos e dei asas às imaginações. Nesse período nada fugiu da minha percepção. Era como seu eu fotografasse tudo e mostrasse a você agora as fotos reveladas.
Era quarta-feira, dia da coleta de lixos. Nas calçadas os moradores colocavam sacolas de dejetos à espera do caminhão para recolhimento. Em algumas casas haviam lixeiras fixadas nas grades para evitar que animais irracionais e, principalmente os racionais espalhassem tudo pelo chão. Uma jovem subia a rua alheia a tudo que acontecia a seu redor Seus olhos e atenção estavam fixos no seu celular. Pensei: “aquela jovem desatenta vai dar uma cabeçada na lixeira”. Acertei! Ela se assustou após a cabeçada e se aliviou gritando: PQP! FDP!”e seguiu desatenta o seu trajeto, manuseando o celular.
Muita gente passeava com seus cães de estimação. Entre as variadas raças o yorkshire se destacou. Em algumas mãos, coleiras, e na outra, sacos coletores de fezes. A sinfonia canina se fazia ouvir.
Na calçada da minha casa subia um senhor apalpando os sacos de lixo à procura de latinhas de bebidas. Lembrei-me que tínhamos muitas guardadas. Ao se aproximar da minha casa eu as ofereci a ele que as aceitou, me agradecendo: “Deus lhe ajude!”. Ele me perguntou se eu tinha pão para lhe dar. Eu lhe dei dois pães. Não satisfeito, me pediu dinheiro para comprar leite. Eu lhe dei um litro de leite e ele me pediu dinheiro. Não entendi! Eu, hein!
A manhã estava ensolarada. Um casal de idosos caminhava para lá e para cá ora de mãos dadas, ora de mãos nos ombros. Sorrisos e diálogos eram constantes. Dois cuidadores passeavam com dois enfermos em seus carrinhos. Um enfermo ao me ver na janela esboçou um sorriso e me saudou com um tênue aceno de mão. Um jovem pai também passeava com seu filho de poucos meses aproveitando o sol.
Semanalmente uma Kombi passa na rua vendendo hortifrutigranjeiro. O vendedor garante que em seus produtos não existem agrotóxico. A Kombi parou do outro lado da minha casa e as donas de casa ao perceberem a conhecida buzinada se aproximaram para as compras. Contei quatorze donas de casa.
Percebi dois garis subindo a rua correndo (preparo físico invejável) recolhendo os sacos de lixo e os depositando frente a uma casa para posterior colocação dentro do caminhão. A minha casa foi a escolhida. Como eu estava fazendo um trabalho de pesquisa, contei 22 sacos amontoados. Tinha lixo na calçada, na beira da calçada e até na rua. Em poucos minutos apareceu o caminhão coletor com o peculiar grito dos garis: “Para!”, “Aí!”, “Embora!”. Ao jogarem os sacos de lixo no caminhão um deles se rompeu e garrafas espatifaram pelo chão. Era caco de vidro para todos os lados. O gari não se machucou, mas ficou irado, xingou muito e me olhou com cara feia. Acredito que tenha pensado que, justamente aquele saco contendo as garrafas era da minha casa. Garanto que não, porque temos cuidado com as garrafas colocadas nos sacos.
A minha atenção se voltou para o movimento da rua quando me deparei com uma situação hilária. Uma jovem caminhava com o seu cão, enorme preso na coleira. Na outra mão, não estava o saco coletor de fezes e sim, um celular. Era notória sua desatenção. Ao passar por um poste ela tomou uma direção e o cachorro outra. O cachorro a puxou para um lado e ela se enroscou no pote como se o abraçasse. Cena pitoresca. Ela sem graça olhou para os lados para ver se tinha alguém percebendo e conseguiu se desvencilhar do poste.
Com esse vasto material recolhido em 30 minutos, retornei para o interior da casa pensando: se em meia hora tirei essas fotos imagina se eu ficasse 12h?