Copa do Mundo e o brasileiro: por que (apenas) um mês de patriotismo?

Por Helcio Campos

Hoje faço minha estreia. No mesmo dia em que fui convidado para assinar esta coluna, meu primeiro tema chegou por acaso, em um desses lances do destino.

Tudo começou quando o médico veterinário e apaixonado por futebol, Gilberto Cardoso, escreveu para mim via telefone: “Por que o povo fica tão eufórico com a Copa do Mundo? Milhares de bandeiras aparecem do nada, mas esse espírito patriótico não aparece no nosso cotidiano… Passo a bola para o especialista.”

A primeira Copa é de 1930, no Uruguai, país sul-americano e distante da Europa, berço da FIFA, a organizadora do evento. A ideia era festejar os 100 anos de independência dos países da América do Sul, daí o principal estádio dessa Copa ser o Centenário, em Montevidéu, e palco da final.

O Brasil fazia 108 anos de independência em 1930. Teve participação discreta no Uruguai. Ganharia projeção apenas na Copa de 1938. Os jornais da anfitriã, França, destacavam a habilidade para jogar e Leônidas, o inventor da bicicleta, o genial arremate no ar e de costas para o gol. Aqui no Brasil, o povo acompanhou a Copa de 38 pelo rádio e nos cinemas. Em 2018, os jogos da Copa estarão nos cinemas novamente (ação de um grande veículo de comunicação).

Nesses 80 anos decorridos (1938-2008), muita coisa mudou. Até vencer em 1958, o país estava à procura de sua cultura, de sua identidade. Os modernistas visitaram nossa região para ver o Barroco Mineiro. Villa-Lobos fazia sucesso na França. A derrota em 1950 brotaria nossa alcunha de “vira-latas” e o complexo de povo inferior.

Contudo, conquistas esportivas e culturais surgiram: as seguidas Copas; títulos com Maria Esther Bueno, Éder Jofre e Ademar Ferreira da Silva (que pôs duas estrelas na camisa do São Paulo FC); mundiais na F1 e os interclubes no basquete, futsal e vôlei. Projetamos ainda a Bossa Nova; o Pagador de Promessas ganhava em Cannes; escritores eram traduzidos para o exterior, como Guimarães Rosa e Drummond; Niemeyer fazia o prédio da ONU; cientistas foram reconhecidos, casos de Lattes e Ab’Saber. No campo econômico, o Brasil alcançaria o 8º maior PIB mundial nos anos 1970 e até hoje segue dentre os maiores.

Com tantos triunfos, espantamos o “complexo de vira-latas”, mas nunca atingimos títulos de país mais educado ou livre de ditaduras e corruptos. Ao contrário, “brigamos pelas taças” nos ramos do assassinato de pobres e jovens, na falta de saneamento e na abissal desigualdade social.

É por isso, meu caro Gilberto Cardoso e leitores, que nosso cotidiano durante a Copa também é duplo: existem aqueles que enfeitam as ruas com bandeira e os que nem sabem dos jogos; os que têm espasmos de patriotismo em 30 dias e os que torcem contra, pois até o lampejo nacional de ganhar o Mundial é usado politicamente.

Enfim, durante a Copa do Mundo estão em campo a honra de ser brasileiro e, claro, uma Taça a ser conquistada. Esta até pode vir, mas a Taça da Igualdade Social e da Justiça, não: ela nos é sempre roubada e, pior, não só a cada 4 anos. Assim, compreenda quem não torce pelo Brasil, e, se você torce, torce em nome daquilo que deu certo no país. Mas somos todos brasileiros, apesar dos (tantos) pesares. Todos nós torcemos por algo do Brasil.

 

NOTA DA REDAÇÃO: Helcio Campos é professor do IF Barbacena; mestre e doutor em Geografia pela USP; autor de publicações sobre futebol em livros e revistas; editor da Revista PluriTAS; escreve o Blog Futebol, Cultura e Geografia.

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