Comentaristas de internet e Tudologia

Por Francisco Fernandes Ladeira 

Sem dúvida alguma, a internet é o meio de comunicação mais plural e democrático que existe. Ao contrário do rádio e da televisão, por exemplo, onde poucos são produtores de notícias e muitos apenas consumidores de informação, na rede mundial de computadores, todos seus usuários são, potencialmente, criadores e/ou difusores de conteúdo. No entanto, essa liberdade discursiva (como quase tudo na vida) têm seus efeitos colaterais. Entre eles, está o indivíduo que podemos designar como “comentarista de internet”. 

Conforme a nomenclatura sugere, este sujeito peculiar é encontrado, principalmente, em comentários de postagens jornalísticas nas redes sociais. Sua formação (graduação, mestrado e doutorado), na área de “Tudologia”, o torna apto a dissertar (com propriedade) sobre qualquer tipo de assunto. 

Nos períodos mais críticos da pandemia da Covid-19, os comentaristas de internet (ou tudólogos) adotaram o paradigma do negacionismo. O novo coronavírus, patógeno causador da doença, não seria tão grave como a imprensa dizia. No máximo, seria uma “gripezinha”. Os grandes números de casos e óbitos foram “inventados” por prefeitos e governadores, com objetivo de angariar verbas junto ao governo federal.

Os comentaristas de internet também desacreditaram as vacinas contra a Covid-19. Para eles, tais imunizantes modificam o DNA dos seres humanos, têm chip líquido e inteligência artificial para controle populacional e, nos casos mais graves, estão relacionados à transmissão de HIV. Textos, imagens e vídeos – compartilhados em grupos de WhatsApp confiáveis –  corroboram os argumentos dos tudólogos.

Como todo conhecimento interdisciplinar, a Tudologia não se restringe a uma área, dialoga também com as ciências humanas. Assim, além de pandemia e vacinas, os comentaristas de internet se posicionaram sobre a geopolítica do Leste Europeu e o conflito entre Rússia e Ucrânia. Todavia, não há consenso nessa questão. Um ala dos tudólogos é contra os russos; considera Vladimir Putin “comunista”. Outro setor apoia Moscou; acredita que o mesmo Putin, orientado por Aleksandr Dugin (o “Olavo de Carvalho eslavo”) luta contra as forças “globalistas”.

Enfim, a lista de assuntos no radar dos comentaristas de internet é imensa, não caberia neste breve texto. Em outros tempos, ser especialista em uma determinada área exigia estudo, leitura e pesquisa. Hoje, basta acessar a rede mundial de computadores. Afinal de contas, para a Tudologia, conhecimento é questão de opinião, não de evidências.

NOTA DA REDAÇÃO – Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor de dez livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV). E-mail: [email protected]

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