Por Francisco Fernandes Ladeira
Desde o início da pandemia de Covid-19, há quase um ano, duas instituições estão no centro das atenções: ciência e imprensa. Da primeira, vieram as diretrizes sobre como evitar a propagação do novo coronavírus e, posteriormente, a possibilidade do fim da pandemia, com a formulação do conhecimento necessário para a produção de vacinas. Já aos órgãos de imprensa coube a tarefa de informar a população sobre as recomendações científicas e desmentir as inúmeras fake news compartilhadas nas redes sociais sobre a Covid-19, que iam desde promessas de curas milagrosas à negação da própria existência do coronavírus.
De fato, ambas são de suma importância. Se a média de vida da população mundial aumentou substancialmente nas últimas décadas, isso se deve, em grande medida, aos avanços da ciência. A imprensa, por sua vez, nos traz notícias sobre os principais acontecimentos no Brasil e no mundo. Como, nesses tempos conturbados, ciência e imprensa estão em evidência, é corriqueiro também que estejam presentes nas principais rodas de conversa país afora, se constituindo assim em espécies de “vidraças”, alvos privilegiados de todo tipo de ataque ideológico ou elogio incondicional. Mesmo antes da pandemia, os preceitos e descobertas da ciência já eram constantemente atacados pelo obscurantismo dos chamados negacionistas. Segundo eles, vacinas são estratégias para diminuir a população mundial, prefeitos e governadores aumentam o número de registros de óbitos por Covid-19 para angariar mais verbas e o coronavírus – ou melhor, o “vírus chinês” – foi produzido em laboratório por Pequim para dominar a economia global. Tudo isso sem falar no chamado “tratamento precoce” para Covid-19, sem qualquer tipo de respaldo dos principais órgãos sanitários.
Como os veículos midiáticos não compactuam com esses devaneios, tampouco os noticiam, logo também serão alvo da fúria dos negacionistas. Não por caso, nos últimos meses, cresceu o número de agressões a profissionais de imprensa. Na ausência de argumentos, é mais cômodo recorrer à violência. Se a principal emissora do país fizesse propaganda positiva do uso de cloroquina no combate a Covid-19 ou referendasse as sandices do presidente, certamente, não seria chamada de “lixo” pelos negacionistas. Por outro lado, é importante frisar que, destacar os papéis desempenhados por ciência e imprensa, ou denunciar a cruzada contra essas instituições, não significa, evidentemente, adotar uma postura acrítica sobre as mesmas. Seria demasiadamente ingênuo acreditar que profissionais de imprensa e cientistas são indivíduos acima das paixões humanas, neutros e não vulneráveis aos ditames do grande capital. Argumentos favoráveis ao retorno às aulas presenciais, mesmo com o Brasil atravessando um dos piores momentos da pandemia de Covid-19, presentes tanto nos noticiários quanto nos discursos de pessoas ligadas ao campo científico, são exemplos de posturas baseados mais em interesses econômicos do que propriamente em análises consideradas técnicas.
Portanto, evitar posicionamentos maniqueístas – isto é, nem completo ceticismo, nem a crença cega – é a maneira mais indicada para se analisar criticamente as atuações de imprensa e ciência nesses tempos conturbados de pandemia
NOTA DA REDAÇÃO: Francisco Fernandes Ladeira – doutorando em Geografia pela Unicamp