Cartas de amor

A crônica de Francisco Santana

Eu estava na fila do Banco de um caixa eletrônico do Banco do Brasil, quando senti uma cutucada no meu ombro. Pensei num assalto. Era o amigo Júlio César acompanhado de um jovem. Julinho me cumprimentou dizendo: “Grande Francisco de Santana”. Ele sempre fazia questão de dar ênfase à preposição “de”, que a maioria ignora por não saber.

– Meu filho, quero lhe apresentar o meu grande amigo Francisco de Santana, responsável pelo seu nascimento.

A frase foi bombástica deixando-me pensativo e preocupado.  O filho diante desse relato franziu a testa, me cumprimentou de forma estranha. Quem é Júlio César?

Eu trabalhava numa emissora de rádio e nas 3ªs e 5ªs feiras minhas crônicas eram interpretadas por um comunicador de voz marcante: Souza Fontes. Que maravilha! Numa manhã apareceu por lá um visitante querendo conhecer a emissora, o Francisco de Santana e ouvir a leitura da crônica ao vivo. Coincidentemente eu o recepcionei e ele se apresentou como sendo Júlio César. Percebi o seu desaponto ao perceber que a locução não era minha. Eu era apenas o redator.

Júlio César passou a nos visitar constantemente. No momento da apresentação da crônica ele ficava pensativo, atento e parecia sonhar. Essa cumplicidade chegou ao ponto dele propor temas para dissertação. Lembro-me tê-lo atendido uma ou duas vezes.   Ele me confessou que estava apaixonado por uma colega que o ignorava. Que fazia de tudo para chamar sua atenção e que não havia reciprocidade de sentimentos. Ele então, resolveu presenteá-la e me pediu uma dica. Sugeri flores ou chocolate.

– Francisco de Santana, a colega não gostou das flores alegando que arrancá-las para o comércio é uma brutalidade, que elas ficariam mais lindas embelezando a natureza.  Eu aproveitei e dei logo para ela uma caixa de bombons, cara prá caramba. Ela também não gostou alegando que eu a chamei de gulosa e que eu queria vê-la gorda.  Não é fácil agradá-la.

Uma vez ele me viu guardar uma cópia da crônica numa pasta e me perguntou se eu poderia lhe emprestar aquela pasta para ele ler as crônicas em sua casa com tranquilidade. Não me opus e ele me prometera devolvê-la na outra semana e aproveitou o momento para me pedir outra dica de presente. Propus disco ou livro. Dica de disco? Chico Buarque, Caetano Veloso, Marisa Monte, Elis Regina, Ivan Lins, Supertramp ou Beatles. Dica de livros? Você tem excelentes autores nacionais ou internacionais.  Júlio César foi embora e só voltamos a nos comunicar depois de várias semanas. Pensei que se magoara com alguma coisa que eu tenha feito ou dito. Numa manhã de uma 5ª feira ele apareceu na emissora muito feliz dizendo: “Consegui! Consegui, amigo Francisco de Santana! Estou muito feliz!”. Perguntei o motivo daquela euforia.

– Meu amigo, Francisco de Santana, a sua dica foi excelente, dei a ela um livro, percebi sua alegria e aproveitei aquele momento mágico para lhe propor um namoro. Ela fez um charminho gostoso e me disse: “Aceito!”. Depois desse “Aceito” eu me senti o homem mais feliz e realizado do mundo. Olha como estou tremendo!

Perguntei a ele o nome do livro que operou esse milagre.

– Santana, eu peguei algumas crônicas que estavam guardadas no meu armário, tirei o nome do autor, coloquei o meu, levei na gráfica de um amigo que as encadernou, colocou uma capa dura da cor preta e escreveu o título em dourado: “Crônicas” e em baixo o meu nome. Ficou uma obra de arte. Eu a presenteei com esse livro, ela se emocionou ao ler algumas, me abraçou e ficamos abraçadinhos por alguns minutos. Não é fantástico?

Pensei, pensei e pensei. Busquei forças e lhe perguntei que crônicas foram essas que ele se apoderou indevidamente e o adverti que e isso constitui crime. Ele me olhou estranhamente com os olhos arregalados. Depois de um longo silêncio ele se lembrara que as crônicas eram de minha autoria. Ficou sem graça, gaguejou e confessou que fez isso no calor da emoção e nem pensou que as obras xerocadas eram minhas e me disse.

– Santana (já não era mais Francisco de Santana) eu estou envergonhado e arrependido pelo meu ato.  Você não merece essa traição, só agora percebi que as crônicas encadernadas foram aquelas que você me emprestou para eu ler. Lembra? Fiz tudo isso em nome do amor porque eu queria conquistar a minha colega. Eu sei que você é do bem, compreensivo, sensível e vai entender o meu gesto. Mais uma vez eu lhe peço desculpas pelo que fiz.

Em nome do seu amor pela colega eu o perdoei.  Eles namoraram, noivaram e se casaram.  Essa é a resposta à sua afirmação quando disse ao seu filho e a mim: “Meu filho quero lhe apresentar o meu grande amigo Francisco de Santana, responsável pelo seu nascimento”. Tudo esclarecido?

Passado algum tempo eu o encontrei com a esposa que fora apresentada a mim. Ambos riram muito e eu entendi tudo.

Seja sincero(a), você o perdoaria?

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