Carinho embalado

Por Débora Ireno Dias

Quando criança, observava Mamãe partilhar bolos, pães e biscoitos. Geralmente, aos sábados à tarde, ela fazia quitandas na cozinha fria e escura lá de casa. Mas que ficava aquecida com o forno aceso e iluminada pelas roscas e rosquinhas douradas que dele saíam. Eu e Irmã ficávamos ao redor, também fazíamos nossos biscoitos e pães em formatos diversos. Era divertido. E quando a fornada ficava pronta, tomávamos o “mate” com pão fresquinho. Alegria! E no dia seguinte, Mamãe levava alguns pedaços embalados em guardanapos para suas amigas vizinhas. (As irmãs moravam mais longe e ainda não havia transporte tão fácil igual à hoje). Da mesma forma, sempre havia um pedacinho de alguma receita vizinha em nossa casa. “Um pedacinho para você experimentar, a receita é nova”, dizia uma. “Fiz a receita que você me deu”, dizia outra. E assim fomos criadas, nesta rede de ternura temperada por receitas e quitandas. 

Nestes últimos meses, tenho me inserido mais no mundo da culinária – uma necessidade para a grande maioria dos brasileiros que se viram dentro de casa, de uma hora para outra. Nada no estilo “master chef”, mas tenho gostado de fazer bolos, experimentando receitas de biscoito e cozinhado carne – o mais difícil para mim. Coisas simples, algumas modificações, e os aromas e sabores aparecem. Dizem ser “alquimia”. Digo ser “aventura se transformando em conquistas”. Ambas trazem a sensação de alegria, de realização. Mas esta alquimia e conquista só fica completa quando partilhada. Tem até um livro transformado em filme que traz esta frase “A felicidade só é completa quando partilhada”. Fato! E pensando nisso, lembrei de Mamãe – que ainda partilha suas rec

eitas e quitandas com as vizinhas – e comecei a fazer o mesmo. Em tempos de portas fechadas e menos contato pessoal, comecei a partilhar receitas e bolos. Uma porção de bolo de fubá subindo a escada num dia; noutra semana, um pedaço de bolo de cenoura com cobertura chega aos casais da Equipe de Nossa Senhora. Ainda, um bolo de amendoim para um casal; bolo de mandioca para a vizinha do meu andar; torta salgada para a Irmã; brownie para a Amiga; de maçã e canela para a Sogra; e quase todos também vão para a Mamãe e Papai. Vi-me espalhando sabores. Mas, mais que isso, vi-me fazendo presença na casa de alguns que fazem parte da minha história (a vontade é de levar a todos, mas não é possível). Não sei se os bolos ficaram bons, mas o coração fica preenchido ao partilhar mais que um pedaço de guloseima. Sinto-me partilhando sorriso, carinho, afago. Igual Mamãe ainda faz. 

Todos os dias, vemos pela TV muitas boas ações acontecendo ao redor – cestas básicas, kits de higiene, colocação de tanques e banheiros comunitários junto às populações mais vulneráveis, kits de cachecol e gorros, refeições diversas, músicas nas sacadas e tantas outras sendo realizadas para diminuir as consequências imediatas da pandemia – físicas e emocionais. Mas algo que me chamou a atenção nesta semana foi um grupo de pessoas tecendo meias de lã e sapatilhas coloridas para doar aos pacientes de um hospital. Não me lembro de onde são, mas lembro a reação dos pacientes e a minha própria ao ver tal ação. Mais do que pés aquecidos, aqueceram o coração daqueles que estão num ambiente frio e desconhecido. 

Aquecer os corações. Seja com meias de lã e cachecóis, seja com cestas básicas e kits de higiene, seja com um prato de refeição, seja com um pedaço de bolo. Mamãe já o faz há tempos. O mundo já faz há tempos. Eu estou aprendendo a fazer. O mundo está reaprendendo a fazer.  Treinamento para retomarmos a vida pós pandemia: aquecer corações, criar boas memórias. Cuidarmos uns dos outros!

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