Temperos e destemperos

Por Débora Ireno Dias

Levantou cedo, como já é costume aos domingos. E como já é tradição, calçou os tênis, pôs a roupa de correr, tomou o café e já se aquecia, de corpo e alma, para descer as escadas do prédio e correr na garagem – algo que já virou tradição desde que um vírus surgiu e paralisou quase tudo ao redor do mundo. 

Olhou pela janela. Viu a manhã linda de sol, céu azul. Muito convidativo para participar de mais uma corrida virtual – algo que também já virou tradição nos últimos meses. Ficou ali olhando, contemplando. Mas algo aconteceu, paralisou seu sentimento. Ficou ali, parada, olhando. O pensamento mudou, o sentimento mudou. Em um segundo momento, voltou à sala, sentou-se e ali ficou, olhar perdido, como perdido estava seu coração. Não havia sentido, sentimento, motivação que a fizesse se levantar. Apenas chorava. Um choro sem motivos e com todos os motivos. Um choro doído e sem destino. Um choro.  O Amor veio, abraçou-lhe e também se envolveu naquele sentimento. Compaixão. E assim ficaram por instantes, cada um no seu silêncio, no seu motivo, na sua cumplicidade. 

O dia estava lindo lá fora. Dentro, estava doído. Como tem sido doído para muitos e muitas ao longo destes tempos, destes dias infindáveis que parecem ter parado em março à espera de uma nova possibilidade de se ser e viver. Mas havia um raio de sol entrando pela casa. E um Sol que os iluminava. Enxugaram as lágrimas. Ele foi tomar seu café. Ela lembrou se de uma receita que desejava fazer para o almoço. 

Pôs seu avental e, entre lágrimas e músicas, preparou a massa, o recheio, acendeu o forno. Viu sua dor se transformando em amor para aqueles que iriam degustar o alimento. Sentada à mesa, serviu-se de um pedaço e do carinho dos comensais. O alimento estava sem tempero, como a vida se apresentara naquela manhã. Mas o amor dos que estavam à mesa, temperou aquela tarde com o que havia de mais especial: “amor para recomeçar”.