Pauta em prosa, verso em trova (volume 90)

Por JGHeleno*

O texto de hoje é a história de uma das canções mais antigas que perdurou em gravação até hoje. O disco que a contém foi gravado em 78 rotações e fez grande sucesso em 1902, cantado pelo famoso cantor “Bahiano”. Foi um grande sucesso naquele ano. O nível de ufanismo e de orgulho nacional da letra  é muito alto, o que é incomum hoje, embora ainda exista. Nos dias atuais, esse ufanismo na arte se encontra em baixa para a maioria dos grupos sociais, o que se explica, em parte, pelo espírito globalista dominante, o que é um convite a mais ao universalismo. Por vezes, esse ufanismo ainda surge, principalmente na forma de exaltação do amor à pátria vinculado a alguma posição ideológica, ou de interesse pessoal. Qualquer atitude, no entanto, que a capture para benefício próprio ou para benefício exclusivo de grupo social específico, torna a arte panfletária e reduz sua intensidade como arte. A arte é contrária a qualquer estreiteza. Apesar disso, não é incomum a apropriação dela para fins propagandísticos. É o que se percebe em grandes sucessos musicais das décadas de 1960 e 1970 no Brasil. Não obstante às vezes cair no gosto popular, a instrumentalização de qualquer arte compromete sua vocação para o universal e sua intensidade como arte. Num enfoque rigoroso, podem-se questionar até as classificações por nações, porque arte é sempre arte, e não se sujeita a quaisquer limites. Sabemos que tais classificações são apenas didáticas.

De qualquer forma, a exaltação de um povo por meio da arte, apesar de questionável,  se funda num daqueles pilares de sentido para a vida calcado no instinto de convivência. É importante lembrar, no entanto, que a arte é sempre universalista. O individual, grupal, regional, nacional podem entrar nela, e quase sempre entram, porém, a arte projeta esses elementos para muito além de seus limites. É próprio da arte dar respostas ao homem, ser universal, enquanto ser que vige num tempo e lugar, mas que transcende e se projeta para além do aqui-agora.

Se alguém desejar ouvir “A conquista do ar”, pode encontrá-la através do Google. Será uma experiência curiosa e dará ensejo à percepção do quanto as técnicas de gravação se aperfeiçoaram em 100 anos.

 

Marcha de Eduardo das Neves, “A conquista do ar”, sucesso de 1902, canção que celebra o voo de Santos Dumont contornando a torre Eifell em 19/10/1901.

Letra:

“A Europa curvou-se ante o Brasil

e clamou parabéns em meigo tom;

brilhou lá no céu mais uma estrela:

– apareceu Santos Dumont”

(SEVERIANO, Jairo e outro. Canção no tempo. SP: Ed. 34, 1997, p. 19).

 

Para terminar em trova:

 

O que faz o homem feliz

ele o quer em toda parte;

e em todo tempo ele quis

celebrá-lo até na arte. (JGHeleno)

 

  • ABL, AJL, LEIAJF, UBT

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