NONÊ, o menino modernista em Barbacena

Por Edson Brandão

A partir do dia 13 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, aconteceu o festival de cultura que passou para a história como a Semana de Arte Moderna de 1922. Resultado de um ambiente cultural efervescente, fruto da prosperidade econômica da elite rural do sudeste do Brasil, enriquecida com o café e animada pelas vanguardas culturais europeias, a ordem era redescobrir o Brasil, devorar o que vinha de fora e regurgitar a real identidade estética e cultural nacional. A polêmica mostra cultural incluía pintura, poesia, música e palestras com teóricos dessa nova era. No time de organizadores e participantes estava gente como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, só para citar os que ficariam mais conhecidos e identificados com o grupo modernista.
Só a pintora Tarsila do Amaral, estrela maior do modernismo, não participou da Semana, pois estava na França.
Há quem discorde, mas depois de 13 de fevereiro de 1922, nada seria como antes na cultura brasileira. No entanto, só anos mais tarde os efeitos de 22 seriam sentidos.
Dentre as novidades modernistas, paradoxalmente, o olhar mais condescendente com o passado colonial brasileiro foi uma das teses modernistas mais revolucionárias e neste caminho de redescobertas, Minas Gerais foi um destino recorrente. Mário de Andrade que viera a Minas em 1919, retornaria em abril de 1924. Desta vez com mais gente. Chamaram a viagem realizada entre 15 e 30 de abril de 1924, de “Viagem de Descoberta do Brasil”. Começaram por Juiz de Fora, Barbacena, São João del-Rei, Tiradentes e depois as cidades do centro do estado como Congonhas, Ouro Preto e Belo Horizonte, a jovem capital.
Participaram da caravana, Oswald e Mário de Andrade, Tarsila, o jornalista René Thiollier, Olívia Guedes Penteado, Goffredo Telles e o poeta franco-suíço, Blaise Cendrars. Os três expoentes modernistas dispensam maiores detalhes, porém vale ressaltar as figuras de Thiollier, que em 22 obteve apoio do governo de São Paulo para viabilizar a Semana. Telles, poeta e cafeicultor da região de Araras, interior paulista e mecenas, assim como Olivia, ambos representantes típicos da elite cafeeira e ilustrada que de certa forma bancou a ideia, em que pese a maioria dos artistas pendesse para o marxismo utópico e o nacionalismo. Já Cendrars, poeta e novelista suíço radicado na França, foi combatente na I Guerra Mundial e exerceu grande influência em autores brasileiros e mais tarde, até em poetas beats, como Allen Ginsberg.

Desenho de Nonê Andrade. 1951. Acervo de Edson Brandão

 

Mas no grupo havia um viajante especial que era tão jovem como aquele século que nascia e seria um emblema da “infância” da modernidade nacional. Era Nonê Andrade, filho de Oswald com a estudante francesa Henriette Denise Boufflers. Ainda que tenha passado a maior parte da juventude fora do Brasil, Nonê, apelido para Oswald de Andrade Filho, conviveu com o pai, um aventureiro amoroso com uma lista inesgotável de esposas e amantes, dentre elas Pagu e a musa modernista Tarsila. Vale um esforço imaginativo para visualizar essa turma desembarcando na Estação de Barbacena (a antiga), o friozinho da entrada do outono, a movimentação da Semana Santa nas igrejas, os olhares desconfiados para aquele grupo de “gente diferente” andando pela Rua XV. Mário de Andrade, “o pai” de Macunaíma, tirando fotos no Adro da Boa Morte… o cambalacho para conseguir as passagens de última hora e seguir pela linha da Oeste de Minas rumo a São João del-Rei e Tiradentes. Segundo o pesquisador Alexandre Eulálio (2001), na excursão Godofredo e o menino Nonê dispunham de câmeras, mas foi de Mário de Andrade o único registro remanescente da passagem da turma modernista por Barbacena. Assim como os pintores viajantes, coube a Tarsila fazer desenhos simples, quase infantis, da paisagem que via. E textualmente ela afirma que da janela do trem, ou “sentada em uma pedra em Barbacena” começou a criar a pintura “Pau Brasil”, plena de ingenuidade caipira, pureza de cores e elementar na composição, assim como desenhariam as pessoas simples e as crianças. Em 30 de abril, o grupo já reduzido finalizou em Congonhas do Campo a aventura modernista em Minas. Segundo Alexandre Ventura (2000), Mário de Andrade e Goffredo Telles não participaram deste último trecho da viagem. Foram a Ouro Preto: Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Cendrars, Olívia e Nonê, já que Thiollier retornara a São Paulo depois da Semana Santa. O menino Nonê seguiu sua vida e carreira. Só voltou ao Brasil em 1929. Como artista estudou com a nata das artes brasileiras: Cândido Portinari, Anita Malfatti, Lasar Segall… Participou do Clube dos Artistas Modernos e nos anos 1950, integrou o Grupo Guanabara (Manabu Mabe, Takashi Fukushima e outros). Foi diretor de museus e professor, mas acima de tudo seu olhar infantil testemunhou o nascimento de uma nova abordagem da pintura brasileira que Tarsila formulou bem aqui, no alto da Mantiqueira. Com a licença poética do mineiro Drummond, poderíamos hoje dizer: “no meio do caminho dos modernistas em Minas tinha Barbacena, e em Barbacena tinha uma “pedra”. E sobre ela, Tarsila e seus companheiros redescobriram parte da alma do Brasil!”

NOTA DA REDAÇÃO: Edson Brandão. Membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Guarapiranga, Borda do Campo e Pomba. Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei.

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