Mobilidade social no Brasil

Por Francisco Fernandes Ladeira 

Nas aulas de Sociologia no ensino médio, aprendemos que existem, basicamente, dois tipos de organizações humanas. A primeira – a exemplo dos sistemas escravista, feudal e de castas – se refere à chamada “sociedade estamental”.  De acordo com Max Weber, trata-se de uma rígida estrutura social organizada a partir da posse de determinados bens e prestígios que vem de berço. Seu funcionamento é norteado por valores como respeitabilidade, honorabilidade e estima. 

Nas sociedades estamentais praticamente não há mobilidade social. Se, na Idade Antiga, um indivíduo nascesse escravo, tanto na Grécia quanto em Roma, permaneceria nessa situação adversa durante toda sua vida. Da mesma forma, na Europa Feudal, uma pessoa nascida em um grupo familiar privilegiado, muito provavelmente, manteria tal status em toda sua existência.

Em contrapartida, na segunda forma de organização humana – sociedade de classe (típica do sistema capitalista) – é possível que um sujeito modifique sua situação de nascimento. Esse tipo de configuração do tecido social surgiu após aquilo que Karl Marx qualifica como “revolução burguesa”. 

Utilizando uma linguagem simplificada, podemos dizer que, na sociedade de classes, um sujeito, em condições de pobreza na infância, pode se tornar rico quando adulto (e vice-versa). Teoricamente, não há limitações jurídicas para tal ascensão.

No entanto, apesar de ser possível, esse tipo de mobilidade social não é tão automático e corriqueiro quanto possa parecer.  O caso brasileiro é emblemático.

Na obra A Revolução Burguesa no Brasil, Florestan Fernandes aponta que a transição de uma sociedade estamental para uma sociedade de classes em nosso país foi marcada pela forte reminiscência de características da ordem social anterior no ordenamento que se iniciava.

Em outros termos, o advento do capitalismo não nos conduziu, necessariamente, à completa ruptura com hábitos e comportamentos típicos da sociedade escravocrata (de caráter estamental).

Seguindo essa linha analítica, Fernando Henrique Cardoso e Otávio Ianni, em estudo sobre relações raciais e mobilidade social em Florianópolis (SC), verificaram que, mesmo com o surgimento de uma economia baseada no trabalho assalariado, a posição de inferioridade social dos negros naquela cidade não foi alterada; tampouco acabara com o preconceito de cor. Assinalam ainda a conservação de um “sistema de acomodação inter-racial”, em que os negros continuavam exercendo as mesmas funções para os quais a ideologia racial os consideravam “naturalmente” aptos. Ou seja, atividades manuais, socialmente desprestigiadas, que desempenhavam desde o período escravocrata. 

Dados estatísticos também corroboram a tese de que há uma lenta mobilidade social no Brasil (tanto “descendente” quanto “ascendente”). 

De acordo com estudo intitulado “O elevador social está quebrado? Como promover mobilidade social”, produzido há quatro anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), crianças nascidas em famílias brasileiras, pertencentes à parcela mais pobre da população, têm pouquíssimas chances de sair da pobreza.  Mesmo quando isso ocorre, leva-se, em média, nove gerações para que um descendente de uma família que está entre as 10% mais pobres do Brasil alcance, enfim, a renda média do país 

Partindo do princípio que a duração de uma geração gira em torno de 25 anos, para ascender socialmente por aqui, o grupo familiar pobre leva quase dois séculos e meio. Tempo suficiente para concluirmos que as sequelas da escravidão (oficialmente findada em 1888) estão entre nós.

Ainda conforme o estudo em questão, crianças nascidas em famílias em situação de pobreza têm três vezes mais probabilidade de ser pobres aos 30 anos do que aquelas que nunca foram pobres.

Por outro lado, dados coletados em 2017 na pesquisa “Síntese dos Indicadores Sociais”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que os brasileiros com origem no topo da pirâmide social têm quase catorze vezes mais chance de continuarem nesse estrato do que pessoas nascidas na base ascenderem para essa posição.

Em suma, apesar de teoricamente vivermos numa sociedade de classes, que permite a mobilidade social, na prática funcionamos como sociedades estamentais, com recursos econômicos e privilégios (ou a falta destes) se perpetuando através das gerações. Como diz a letra de uma famosa música dos anos 90, no Brasil, infelizmente “o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre”.

NOTA DA REDAÇÃO – Francisco Fernandes Ladeira é especialista em “Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade” pela UFJF, mestre em Geografia pela UFSJ e doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de doze livros. E-mail: ffernandesladeira@yahoo.com.br

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