Memória dos Cheiros de um Menino que Sonhava

Ah,   se   eu   pudesse   voltar…

Ah,   se   eu   pudesse   voltar    naqueles   anos   em   que   eu   era   ingênuo   adolescente   de   12   anos   e   achava   que   a   vida   acontecia   em   passes   de   mágica   ou   tudo   era   muito   maravilhoso…    ou   tudo   era   medo.   Medo   de   assombrações.   Mas   os   sonhos   venciam   toda    sombra.

 

O   sonho   era   ser   um   pintor   de   telas.   Acho   que   esta   era   a   moda   da   geração   daqueles   idos   tempos.   Ou,   assim   se   sonhava   quase   todos,   era   ser   pintor   ou    era   se   psicólogo.   Eu   queria   a   Arte.   Outros    filosofavam.

 

E   escrevo   este   relato   por   ter    minha    memória   movida   a   cheiros   e    odores   e   chegou   agora   aquele   cheiro   de   quando   meu   pai    comprou    aquele    chalé   e   para   ele   mudamos.    Tudo   era   odor.   Odor   de   peroba:    resina    que   ritualmente    era   emplastado   nos   móveis   daquelas   sextas-feiras.   Fecho    os    olhos   e    vejo    tudo,   transmudo    mundos.

 

Saia   de   meu   quarto   durante   a    noite    e    a   casa   estava    em    penumbra.    As   vidraças    deixavam    galhos    apavorarem    o    menino.    O    menino    lia.

 

Ou   o   menino   desenhava.

 

Ou   o    menino   “pintava”.

 

Aprendeu    que    na    papelaria    no    caminho    da   escola   havia    tubos   de    tinta   a   óleo.   Que   magia   abri-los   em   casa.   E   sentir   aquele   odor   das   tintas.   Tudo   resina.

 

As   telas   eram   folhas   mesmo   de   caderno   de   desenho.   E    nelas    misturava    tinta   a   óleo,   lápis   de   cor   ou   até   pasta   de   dente   com    guache.   A   criatividade   para    driblar   a    demanda   e   sonhar   não    faltava.

 

Além   de   tubos   de   tinta    comprados    com   pequenas   economias,    descobriu    que    o   vizinho,   pintor   consagrado,   jogava   pela   janela   de    seu    ateliê    restos    de   tintas    em   tubos    amassados.    A    higiene   e   conceitos    ambientalistas   vieram   muito    depois.

 

Idealizava   ganhar   pincéis   e   telas   como   presentes   de   aniversário   ou    natal.     Sonho   frustrado!    Uma    vez    juntou   algumas   ripas   e   aproveitou   restos   de   entretelas   de   costura   e   lá   estava   um    quadro    para    receber    tinta.   Fez    uns     riscos    e    rabiscos   e plasmou    em    guache    mesmo.   Achou   obra-prima   que   expôs    na   parede    de     seu    quarto.    Sentiu    ter    ganhado    o    maior    prêmio    quando     uma    senhora     muito        humilde   entrou   no    quarto,   não    se   lembra    mais    o    motivo    desta    intimidade,    e   fez    um    grande   elogio    dizendo:

–  Que   espetáculo!    Posso   pôr   a   mão? Porque   mineiro    enxerga   é   com   o   tato.

Ah,   se   eu   pudesse   voltar…

Ah,   se   eu   pudesse   parar   os    momentos    como   aqueles   que   vivi   enquanto   adolescia…

 

Mas   não   posso!   A    vida     segue   e   se   não   tivesse   seguido   eu    não    saberia    o    quanto    foi    bom    e    nem    estaria    descrevendo    este     momento    de    prazer    que    o    cheiro    que    senti    agora    me    transportou    para   aquela    época    de    sonhos.

 

É    tempo   de   colheita    agora!

 

Se  pudéssemos   voltar   no   tempo   ou   apertar   o   botão   para    pará-lo…   Ah,   não   seríamos   felizes   por   que   nos   faltariam   a    EXPERIÊNCIA    DO    VIVIDO.

 

Leonardo Lisbôa

Barbacena, 23/03/2018

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NOTA DA REDAÇÃO: Leonardo Lisbôa é professor da rede pública de ensino de Minas Gerais. Fez sua especialização em História na UFJF e seu mestrado em psicopedagogia na Universidade de Havana, Cuba. Publica textos também no sítio www.recantodasletras.com.br onde mantém duas escrivaninhas (Perfis): o primeiro utilizando o próprio nome ‘Leonardo Lisbôa’ e o segundo o de ‘Poesia na Adega’.  Registro no CNPq: http://lattes.cnpq.br/0006521238764228