História de Nossa Terra I: Domingos da Fonseca Leme e a Borda do Campo

Por Silvério Ribeiro, Pesquisador e Escritor

O que se sabe sobre a vida do fundador da Fazenda da Borda do Campo  e sua influência no desbravamento das terras mineiras.

Os tropeiros que se resolviam a deixar o Rio de Janeiro rumo às Minas Gerais pelo Caminho Novo sempre seguiam o curso do rio Paraibuna, em cujas margens passavam as noites e se reabasteciam para continuar a jornada. Os condutores de tropas de mulas atravessavam extensas áreas transportando gado e mercadorias. Os percursos duravam semanas e contribuíram para o desenvolvimento das regiões brasileiras, em terras antes desbravadas pelos bandeirantes.

Os acidentes geográficos da região entre o Rio de Janeiro e as Minas Gerais exigiam não apenas coragem por parte dos viajantes, mas, sobretudo, preparação. Os tropeiros usavam chapelão de feltro preto, cinza ou marrom, de abas viradas, camisa de cor similar, capa e manta com abertura no centro, jogada sobre o ombro e botas de couro flexível com canos até o meio da coxa para proteção nos terrenos alagados e nas matas em dias de chuva.

A alimentação dos tropeiros era basicamente constituída por toucinho, feijão, farinha, pimenta-do-reino, café, fubá e coité, um molho de vinagre com fruto cáustico espremido. Nos pousos, comiam feijão quase sem molho com pedaços de carne de sol e toucinho, o famoso feijão tropeiro, que era servido com farofa e couve picada, quando esta era encontrada. Nos dias frios tomavam um pouco de cachaça dizendo-se ideal para evitar a constipação e a mesma servia também como remédio para a picada de insetos.

Na altura dos Campos Gerais, próximo às roças de Manoel de Araújo e de um tal de Sr. Bispo, a uma jornada pequena, os tropeiros alcançavam a Borda do Campo, de propriedade do Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca Leme. O destino sendo o Rio das Mortes, os viajantes passavam dali à roça de Alberto Dias e depois a de nome Ressaca, e desta, à ponta de um morro que era arraial e dali a um fortim, com trincheiras e fosso que fizeram os Emboadas até alcançarem enfim, o Arraial do Rio das Mortes.

Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, um nome para gravarmos em nossa memória, foi o desbravador que edificou a primeira construção na Borda do Campo, roça primitiva, logo transformada em estabelecimento de cultura e de criação, berço da Cidade de Barbacena e dos demais municípios hoje existentes em seu entorno. 

Fonseca Leme, natural da Vila de Paranaíba, em São Paulo, nascido possivelmente entre os anos de 1650-60, era filho do Capitão Rodrigues da Fonseca e de Dona Antônia Pinheiro Raposo Tavares. Fonseca se casou com Isabel Bueno de Morais e deste matrimônio foram seus filhos: o Capitão-Mor João Raposo da Fonseca Leme, Joana Batista Leme, Lucrécia Leme, Francisco Corrêa de Leme, Antônia Pinheiro Raposo e Bárbara Bueno de Freitas. Domingos da Fonseca Leme era primo de Garcia Rodrigues Pais e, este, tornou-se cunhado de Leme pelo casamento com sua irmã, Maria Antônia Pinheiro da Fonseca. 

Em 1698, Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, em companhia de Garcia Rodrigues Pais chegou à Borda do Campo. Ali, plantou roças e iniciou a criação de animais. No mesmo ano, em maio, Artur de Sá e Menezes escreveu ao rei de Portugal recomendando-o a aceitar a proposta de Garcia Rodrigues Pais de realizar a abertura de caminho novo e, mais curto, do Rio de Janeiro às Minas Gerais. No ano seguinte, obtendo-se a autorização, Garcia Rodrigues Pais concluiu o picadão, ou seja, a grande faixa desmatada de um novo caminho até a Borda do Campo, ultimando o trajeto até o Paraíba, onde está hoje situada a cidade de Paraíba do Sul. Em 1702, Garcia Rodrigues Pais obteve patente para explorar minas de prata no sertão do Brasil, sendo nomeado Guarda-Mór das minas de São Paulo e, inclusive, foi Garcia Pais quem determinou a construção da capela de Nossa Senhora do Pilar do Registro Velho. 

No ano de 1703, Domingos Rodrigues da Fonseca Leme tornou-se proprietário exclusivo da Fazenda da Borda do Campo. Em 1706, Fonseca foi nomeado por Dom Fernando de Alencastro, governador do Rio de Janeiro, coronel de ordenanças da capitania. Leme, não apenas se fortalecia como fazendeiro e inconteste desbravador de terras mineiras, mas também, como chefe local e homem forte das Minas Gerais.

Entre os anos de 1703-04, Fonseca Leme auxiliou Garcia Pais a realizar o acabamento de construção da primeira etapa do Caminho Novo. Pais, ao fim de quatro anos de muito trabalho sentia-se exausto e sem recursos para concluir a obra e teria desistido, não fosse o apoio de Domingos da Fonseca Leme que, concorrendo com a mão de obra de seus escravos concluiu o intento iniciado pelo cunhado.

 Fonseca Leme também se envolveu em atividades militares, como a acontecida pela tentativa de invasão dos franceses do Rio de Janeiro. Leme aquartelou, no Registro Velho, tropas mandadas de Minas para combater, no Rio, Duguay-Trouin. Quando, em setembro de 1711, o Governador Antônio de Albuquerque desceu com exército de seis mil homens para combater os franceses, hospedou-se no Registro Velho onde Domingos da Fonseca Leme sustentou as tropas com os mantimentos necessários e tudo o mais que esteve ao seu alcance.

Em 1712 chegou a confirmação do governo da capitania do coronelato concedido a Domingos Rodrigues da Fonseca Leme e foi ele também, cobrador das entradas e provedor dos quintos do Caminho Novo, estabelecendo nas terras de sua sesmaria o Registro da Borda, depois chamado Registro Velho, localizado à altura do hoje denominado distrito de Dr. Sá Fortes, no município de Antônio Carlos. O Coronel Fonseca Leme serviu, ainda, por algum tempo, no cargo de Guarda-Mór do Rio das Velhas.

Em 1720 cria-se a Capitania das Minas Gerais, separada de São Paulo e quando da instalação da Casa de Fundição de Vila Rica, foi o Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, de espírito conservador, quem contribuiu para apaziguar os ânimos revoltados nas lavras de mineração da capitania, por ocasião da revolta de Felipe dos Santos no Ribeirão do Carmo. 

Em 1724, Domingos da Fonseca Leme vendeu a Fazenda da Borda do Campo a Matias Domingos e Francisco da Costa, retirando-se em definitivo para São Paulo, na patente de coronel da nobreza da capitania paulista e, quando durou o impedimento do Capitão-Mór de São Paulo, José de Góes e Morais, ficou o Coronel Domingos da Fonseca Leme como regente do governo. 

O historiador Diogo de Vasconcelos, em sua obra intitulada História Antiga das Minas Gerais, assim se refere a Fonseca Leme:

“Pertencente à família do Governador das Esmeraldas, o que quer dizer oriundo das grandes estirpes da Colônia, Domingos Rodrigues é dos paulistas o que mais fez para ter lugar na primeira linha da história de Minas, apesar de quase esquecido, até hoje no anonimato dos primeiros sertanistas.”

O Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca Leme é, nas palavras do historiador Nestor Massena, cronologicamente, o primeiro barbacenense de prol, e ele o foi, também, pelo seu excepcional valor de bandeirante audaz e de homem de ação vigorosamente construtiva. A ele se deve a fundação, como vimos, da Fazenda da Borda do Campo e, em 1713, foi ele quem mandou executar a edificação da capela da fazenda que originou o Arraial da Igreja Nova da Borda do Campo, depois vila e hoje Cidade de Barbacena.

Domingos Rodrigues da Fonseca Leme faleceu em São Paulo, no sítio de Taguatinga, no distrito de São Roque, no ano de 1738. 

 

Fontes:

Barbacena: A Terra e o Homem. Nestor Massena, 1985

História Antiga das Minas Gerais. Diogo de Vasconcelos, 1904.

Site: www.tropeirosdasgerais.com.br

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