Centenário de Paulo Freire

Por Francisco Fernandes Ladeira 

 

No domingo (19/9), o educador pernambucano Paulo Freire, se vivo estivesse, completaria 100 anos. Infelizmente, em uma época de haters e disseminação de fake news em larga escala, é preciso dedicarmos algumas linhas para desmentir as calúnias contra o educador. Ao contrário do divulgado em círculos de extrema direita, Paulo Freire não é responsável pelo fracasso da educação brasileira. Aliás, em uma das únicas oportunidades em que o método freiriano foi aplicado no país, trezentos adultos de um povoado potiguar foram alfabetizados em apenas quarenta horas. 

Paulo Freire também não foi “doutrinador”; tampouco propagador do “comunismo”. Sua pedagogia defendia uma relação professor/aluno pautada no diálogo, no respeito aos saberes de ambos. Não por acaso, ele criticava veemente aquilo que chamava “educação bancária”, que concebia o professor como detentor do conhecimento e o aluno apenas como depositório. 

Para Paulo Freire, a escola possui um caráter dialético: pode difundir a ideologia da classe dominante ou se constituir em meio de resistência para setores marginalizados. Partindo da segunda possibilidade, o educador defende uma prática pedagógica libertadora, onde o espaço escolar se transforme em ambiente privilegiado para a construção de mecanismos e discursos contra-hegemônicos. Ou seja, uma educação que aponte que os diferentes antagonismos sociais não são naturais, mas construídos no decorrer de um processo histórico marcado pela dominação de alguns grupos sobre outros. Isso não é doutrinação, mas desvelar os mecanismos ideológicos que regem a realidade, o que representa um fator importante para libertar o oprimido de sua condição de opressão. Assim, como apontou Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido, “No momento em que os oprimidos se libertarem, os opressores deixarão de existir e ambos encontrariam a liberdade. Opressores geram opressores, e muitos que são oprimidos almejam ser opressores por causa do ‘poder’ de opressão, que por muitos oprimidos é tido como objetivo”.

Por outro lado, Paulo Freire não via a educação a partir uma perspectiva ingênua e pedagogista, segunda a qual ela seria a chave de todas as questões e redentora da sociedade. Nesse sentido, um melhor sistema educacional somente será possível na medida em que também seja colocado em prática um projeto efetivo de transformação global da sociedade, pois, lembrando as palavras do educador, “não é mudando as partes que se muda o todo, mas é mudando o todo que se mudam as partes”.

NOTA DA REDAÇÃO – Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Autor de oito livros.