Alzheimer e suas consequências

A crônica de Francisco Santana

– Então, já tem o diagnóstico da doença de seu pai?

– Santana, já sim. A princípio pensamos que fosse o mal de Parkinson, mas depois de muitas idas a consultórios médicos, hospitais e uma série de exames laboratoriais e de imagens, ele foi diagnosticado com Alzeimer.

– Que chato! Ele sempre espirituoso, brincalhão, dono de um humor inteligente, sorridente e comunicativo, vem agora com essa doença que parece um andaço.

– Verdade, Santana.

– O médico nos informou que a doença está no estágio intermediário. Ele sempre foi eloquente, timbre de voz apurado e de repente percebemos que essas qualidades vocais enfraqueceram. Sua memória, sempre destacada começou a falhar. Ele acabava de almoçar e perguntava a que horas seria servido o almoço e não sabia o que tinha acabado de comer. Perdeu a noção do tempo. O seu humor, sempre em alta, começou a se modificar num espaço de horas. A depressão o rondava. Ele sempre gostou de assistir aos noticiários da televisão e começa a cochilar durante as apresentações. O médico diagnosticou uma possível demência. Essa palavra é cheia de mistérios e me remete à loucura.  

– Sem falar que nós, barbacenenses, somos chamados de loucos.

– Bem lembrado Santana. Às vezes não conseguimos ficar sério perto dele. Algumas vezes ele se lembra de coisas ocorridas no seu tempo de jovem e se esquece do que aconteceu há dez minutos e vice-versa. No debate político dos presidenciáveis pela televisão ele ficou o tempo todo assentado no seu sofá cabisbaixo. Abaixamos o volume da televisão para ele dormir calmamente. Ele percebeu, levantou a cabeça e nos disse: “Ainda bem que vocês abaixaram o volume da televisão. Esses candidatos são todos demagogos, prometem o que não podem cumprir e o povo fica iludido com suas promessas e votam neles. Depois vão reclamar, aí é tarde, o mal já foi feito. As nossas leis são fracas e brandas. Presidente bom foi o Juscelino Kubitschek de Oliveira, esse sim a gente sente orgulho e saudades dele”.

– Sábias palavras, momento de lucidez.

– Como ele conviveu na Doutrina Espírita, ele gosta que a gente leia para ele o Evangelho. Não foi à toa que me chamo André Luiz. Ele às vezes me chama de Kardec, Emmanuel, Bezerra de Menezes e até de Chico Xavier, nomes que me enchem de orgulho. Será que é de propósito ou consequência da doença? Às vezes ele diz que viu e conversou com o seu pai, mãe, irmã e outras pessoas que já morreram há tempos e os diálogos confessados são ricos em detalhes e familiaridade. Ficamos impressionados. Teria ele uma sensitividade apurada?

– Tem algo que ele gosta e que o deixa feliz?

– Tem sim, Santana. Ele adora o seu cachorro de nome Hulk, da raça yorkshire. Parece que todo o amor familiar foi transferido para o seu cão de estimação, que o retribui na mesma proporção. Os dois se entendem. Ela acaricia o Hulk alisando seus pelos e ganha lambidas de alegria. Ele dispensou chinelos de algodão para aquecer os pés preferindo que o calor do Hulk que ronca e dorme sobre eles. É um amor real, verdadeiro e digno. Outra coisa que o torna um homem feliz é ouvir músicas clássicas. A gente percebe pelo sorriso e pelos gestos com as mãos parecendo reger as grandes orquestras sinfônicas.

– Que momentos marcantes!

– Nós sabemos, Santana, que Alzheimer é uma doença neuro-degenerativa que provoca lentamente o declínio de muitas funções físicas, reduz capacidades para o trabalho, atrapalha o convívio social e mexe com a personalidade das pessoas.

– Por que está rindo?

– Santana, aconteceram há semanas dois fatos que não tem como não rir do meu pai. Pela sua dependência contratamos duas cuidadoras para ficarem com ele. Outro dia ele amanheceu com a barriga inchada e percebemos que o seu intestino parou de funcionar por alguns dias, fato anormal. O médico lhe receitou um laxante, tomar dois comprimidos pela manhã. A cuidadora os colocou em sua mão e lhe deu um copo de água que ele tomou imediatamente. Ela não percebeu que os comprimidos caíram e o Hulk os engoliu. A cena só foi descoberta pelas sujeiras que o Hulk fez na cama, sofá e pela casa toda. O pobre coitado foi parar numa clínica veterinária.

– Estou imaginando a cena.

– Isso sem falar que da outra vez o comprimido dele para dormir o Hulk tomou de sua mão, o engoliu e dormiu por quase 24 horas e teve que parar também numa clínica veterinária.  Com todos esses empecilhos a gente retribui a ele o carinho e o amor que ele sempre nos dedicou.

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