Nada como abordar um assunto simples, bem do nosso cotidiano e despertar o leigo para o “Direito encontrado na rua” ou se me permitem dizer para o “Direito encontrado no nosso quintal!”
No artigo anterior o problema era o galho ou raiz da árvore do vizinho que ultrapassou o muro divisório e invadiu minha propriedade! Hoje, uma situação também comum entre vizinhos (porém não limitada ao direito de vizinhança) e a previsão legal da solução:
“Jogando futebol no campinho perto de casa, meu primo (incrível como todo mundo tem um primo para levar a culpa) chutou a pelota alto e a bola caiu no quintal do vizinho! E aí professor? Posso pular o muro para buscar a redonda?!”
Quem nunca?! Aquele pé torto… aquela criança empolgada… ou simplesmente um chute com uma força desnecessária e pronto! A bola parece que ganha vida própria e cai em propriedade alheia.
Não criemos pânico, o Código Civil tem a resposta:
Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:
I – dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
II – apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente. (GRIFOU-SE)
- 1 o O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.
- 2 o Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.
- 3 o Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento.
Pela leitura do inciso II do artigo anteriormente transcrito, é direito meu sim, buscar meus pertences (inclusive pets) que se encontram em imóvel de terceiros. Contudo, atenção para o caput do dispositivo legal! Não é para pular o muro não! O exercício do direito é mediante aviso prévio, entendendo aqui que não basta comunicar (do tipo “estou entrando e ponto final!”, nada disso!), mas sim é preciso anuência (concordância) do dono do imóvel.
Então como fica?
Fica assim: eu posso recuperar aquilo que é meu sim, porém combinando com o proprietário do imóvel a melhor forma de exercer esse direito.
Logo, o vizinho pode simplesmente buscar minha bola e devolver para mim. Ou então combinar a melhor hora na qual eu posso entrar rapidinho para buscar o objeto. Simples assim.
E se ao invés da bola for meu gato preso no telhado do vizinho. “Eu que lute” para recuperar o bichano! E cuidado! Quebrou, pagou! Se na busca pelo gatinho eu quebro acidentalmente uma telha, surge o dever de reparar o dano, com base no Art. 186 combinado com o Art. 927 do Código Civil.
Mesmo raciocínio vale para a fatalidade de chutar a bola e esta quebrar a janela do confrontante! Você vai poder recuperar o brinquedo, porém papai e mamãe vão pagar a vidraça (caso você ainda não seja um “menino grande”.)
Aliás, sobre reparar eventual dano, interessante observar o §3º do Art. 1.313 do CC 2002! Não haverá direito de ressarcimento caso, por exemplo, a bola venha a cair no terreno do vizinho e o “dogginho” dele (um Rottweiler mal-encarado, carinhosamente chamado de “Rex”) “reduz a redonda a átomos”! Não há que se falar em indenizar o prejuízo nesse caso, evidentemente.
Claro que o Código Civil não se preocupa apenas com bolas e gatos que invadem o imóvel alheio, e o inciso I do aludido artigo prevê expressamente a situação de obras, que também é sempre um “prato cheio” para gerar conflitos entre confrontantes, porém isso já seria assunto para outro artigo!
NOTA DA REDAÇÃO – Cícero Mouteira é advogado, professor universitário e de cursos preparatórios, Assessor Jurídico da Polícia Militar de Minas Gerais e não guarda muita mágoa do “Rex” devorador de bolas dente-de-leite.
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