A mídia programava músicas dos Beatles, Rolling Stones e Jovem Guarda. O noticiário nos prevenia contra o assédio do comunismo. Militares eram vistos com mais frequência nas ruas para inibir possíveis ataques dos subversivos. As duplas chamadas de Cosme e Damião, desfilavam pelas ruas sempre alertas para inibir imagináveis ataques surpresas. Esse era o pano de fundo do Brasil. Eu era estudante do Colégio Estadual em Barbacena e olhava isso como briga de mocinho contra bandido. Meus professores evitavam comentar o assunto temendo represálias militares. Vivíamos momentos duvidosos e medonhos.
Alheios a tudo, grupinhos de alunos se formavam nos intervalos de aulas para falarem de tudo um pouco. Nesse dia o meu grupo observava uma casa de encontros furtivos que ficava nos fundos do colégio. A gente olhava com atenção quem entrava e quem saía para depois fofocar. De repente o papo passou para visita aos bordéis de Barbacena. Nesse momento, com exceção do Santana, todos se transformaram em boêmios, contadores de histórias e vantagens. Impressionou-me a frequência de cada um à casa das tias como a gente falava. Diante do meu silêncio, um perguntou se eu já fora lá. Todos riram da minha sincera negativa. Para que mentir? E disse a eles que o meu medo era de ser pego sem documento porque eu tinha apenas 14 anos e sendo preso decepcionaria meus pais e irmãos. Um falou que eu jamais seria preso e a polícia não me pediria documentos porque eu tinha cara de velho. Fizeram uma enquete rápida e todos concordaram com minha cara de 21 anos.
Passei o dia arquitetando o meu plano. A cabeça estava fervilhando entre dúvidas e medos. Exatamente às 19h30, eu estava na portaria do bordel. Fui recepcionado por uma velhinha pequenininha, quase anã, cambeta, voz estridente e de tranças nos cabelos brancos. Ela repetiu várias vezes: “Quem for “de menor” ou estiver sem identidade, favor sair desse local agora mesmo porque eu não quero problemas com a polícia”. Arrepiei de medo, eu estava sem lenço e sem documento. O local era uma penumbra, cheio de lâmpadas pequenas do tipo bolinhas de todas as cores que davam um efeito colorido no ambiente. A quase totalidade dos frequentadores era de senhores velhos, muitos conhecidos meus. Até o senhor Geraldo, meu vizinho, casado com uma mulher linda estava lá. Deu vontade de falar: “Vai prá casa, Geraldo!” Homem realmente não valoriza o que tem em casa. Garanto que a maioria deles dizia às esposas que estava no serviço fazendo hora extra.
À esquerda da entrada tinha um tablado armado com uma cadeira no centro. Prenúncio de show. Acertei. Uma jovem travestida de Carlitos subiu ao palco. Olhou para a plateia assanhada, deu um sorriso e jogou a bengala para cima que caiu e ela não conseguiu pegar. A velharia aplaudiu achando que aquilo fazia parte do show. Aconteceu o mesmo com a cartola e mais aplausos. Ela tentou passar a perna sobre a cadeira, não conseguiu por ter as pernas curtas e deu um pontapé nela que caiu no meio dos assanhados. Ela se recompôs, jogou um beijo para a platéia e foi embora. Ela voltou ao tablado para pegar o bigode hitleriano que caíra. Fim do show mais rápido e imbecil que assisti na minha vida. De repente, o som do sino ecoou. Era a velhinha da portaria falando que a polícia estava chegando.
Fui à porta para certificar e ir embora. Não dava tempo, os soldados da Polícia Militar já estavam descendo da viatura. Voltei para o interior do bordel, todo suado e quase borrando a calça. Fiquei em zigue-zague sem saber o que fazer. Foi aí que apareceu uma santa protetora: “Venha para cá, se esconda no meu quarto” Não recusei a oferta. Entrei no quarto, ela ficou com a porta entreaberta falando tudo que estava acontecendo lá no salão. Contou que os militares ficam lá por pouco tempo, e normalmente passavam lá para tomar um café e perguntar à Dona Maria se estava tudo bem. Como estávamos vivendo o momento da ditadura militar, eles faziam rondas lá com mais frequência porque alguém prometera jogar bombas nos bordéis.
Num momento, enfiei a cara pela fresta da porta para dar uma olhadela. Entrei em pânico ao ver que o chefe do patrulhamento era meu primo Inácio. Comentei com a minha santa e ela sorriu me chamando de azarado e completou dizendo que eles foram embora. Saí do quarto dela banhado em suor e me assentei para recompor as energias e me mandar daquele lugar que eu jamais deveria ter ido. O vozerio era forte e a cada minuto chegava um, dois, três e muitos senhores. De repente o sininho soou novamente. Era a velhinha novamente. Olhei para minha santa que sorria no mesmo lugar e me chamando para esconder no seu quarto novamente. Lá estava eu, refém das imaginações e do medo. De tanto transpirar, minha roupa estava colada no corpo trêmulo. Pedi a ele que abrisse a porta mais um pouco que eu queria ver os policiais. Chorei ao ver que o meu irmão Santana estava comandando aquele policiamento. Contei a ela: “Outro azar, primeiro vem o seu primo, agora o irmão. Olhando bem para ele dá para perceber que vocês dois se parecem muito. Como ele é bonitão!”
Passados alguns minutos que para mim era uma eternidade, ela foi ver o que estava acontecendo. Todos estavam na cozinha esperando pelo café que estava sendo preparado. Aquele era o momento para eu fugir. Ela disse: “Preste bastante atenção que vou explicar o seu plano de fuga rapidamente antes que eles voltem. Na esquerda do meu quarto, tem um corredor e no final dele tem uma porta. Você, ao abrir a porta, vai dar de cara com uma horta. Do lado tem um muro baixo, pré-fabricado. Sobre ele, tem uma proteção de arame farpado. Lá no canto, no final da horta não tem arame porque foram arrancados. Você pula o muro e está na rua. Boa sorte. Vai!” Encontrei na fuga todos os detalhes que ela disse menos um. No final do muro sem arame farpado, tinha rente ao chão um pedaço de muro apoiado com um pedaço de madeira. Tirei os dois empecilhos e um buraco apareceu. Ele foi o suficiente para caber o meu corpo que nutrido pelo medo me jogou na rua perto da Igreja de São Sebastião. Se eu tivesse cronometrado o meu tempo até chegar em casa, com certeza bateria o record de Usain Bolt.
Saí daquele local sem saber o nome da minha santa protetora e sem me despedir e agradecer pela grande ajuda. Desde então a batizei de Maria Madalena por motivos óbvios.
Zona, bordel, rendez-vous, prostíbulo, casa das tias e Casa de Irene, nunca mais!