A origem do novo coronavirus e a relação disso com a maneira como a humanidade trata o planeta, as outras espécies e a si mesma

Por Delton Mendes Francelino, Coordenador do Centro de Estudos em Ecologia do IF Barbacena, Diretor do Instituto Curupira e Doutorando na UFMG. Tem dois livros publicados.

Nos recentes tempos, tenho recebido muitas perguntas de algumas pessoas, ouvintes do meu canal de Podcast (Falando de Ciência e Cultura – https://spoti.fi/2vzfa8N) e que acompanham meu trabalho de comunicação científica, relativas à situação pandêmica pela qual estamos passando. Alguns desses questionamentos têm sido bem recorrentes, como: “se antes não existia coronavirus, como é que, do nada, ele passou a existir?”; ou “se ele ‘surgiu’ tão de repente, significa que alguém o criou em laboratório?”. Tratam-se, claro, de perguntas pertinentes, até porque, para a ciência, duvidar é o mais importante. O problema é quando falsas ciências produzem falsas informações justamente a partir dessas inquietações da população. Exatamente por isso, neste artigo, vou mostrar de forma sucinta alguns aspectos importantes para favorecer a compreensão sobre essas questões.

Origem do Novo Coronavirus

Notem que eu disse “novo” coronavirus, ou seja, significa que o vírus que provoca a Covid-19 tem outros “parentes” (e é bem isso mesmo). A ciência, desde a década de 60, já tem identificado vários vírus desse grupo (há vários e vários grupos de vírus) e, esse que tem provocado tantos problemas para nós, é o Sars Cov 2. Em geral, muitas espécies de animais podem ter vírus muito diferentes em seu organismo, “convivendo” com eles há bastante tempo, sem muitos problemas, como é o caso de morcegos silvestres e, até mesmo, porcos e aves domesticados.  Alguns desses vírus podem ter alta taxa de mutabilidade, ou seja, “adquirem” novas características que os favorecerão a “habitar” outros ambientes, como outros seres, afinal, lembrem-se que o corpo de uma animal é um verdadeiro ecossistema de microorganismos, inclusive o nosso. Chamamos de hospedeiro um ser vivo que acaba tendo esse “inquilino” como parasita. Também é possível que quando animais próximos evolutivamente têm contato, como nós e os outros macacos, nós e os mamíferos em geral, exista um tipo de “salto”, ou “pulo”, troca de hospedeiro, ou seja, os virus passam a “habitar” outra espécie além daquela na qual originalmente ele “vive” (também pode acontecer entre grupos mais distantes na árvore da vida). Isso é o que ocorreu com a AIDS, ao que tudo indica, e várias outras doenças infecciosas, inclusive a gripe suína e  a gripe aviária. Sabemos, atualmente, que muito certamente o novo coronavirus veio de morcegos silvestres da região da China, ou de algum ser vivo intermediário entre esses morcegos e nós, como o Pangolin. No entanto, ainda precisamos de mais estudos.

 

Mas, como então esse vírus passou para nós?

Vejam que eu disse que pode haver troca de hospedeiro, quando esses vírus “conseguem saltar” de uma espécie para outra e, além disso, nessa “recém chegada” espécie, conseguir se adaptar muito bem (às vezes essa adaptação não acontece). Um problema é que, se por um lado o vírus pode se adaptar bem a essa espécie na qual ele está parasitando agora, por outro, essa espécie parasitada pode não ter sistema imune apto para atuar sobre ele, pois não o reconhece como invasor e o resultado pode ser nefasto.  No caso do novo coronavirus, o modo como atuamos sobre a natureza, reduzindo habitats de espécies silvestres, perturbando ecossistemas, promovendo a venda, comércio desses seres, ou mesmo o consumo de sua carne, certamente foi um contexto fundamental. Tudo indica que foi o contato com esses animais, que deveriam estar livres e “tranqüilos” em seus habitats, que favoreceu essa “troca de hospedeiro”. Isso mostra algo preocupante: se ocorreu isso desta vez, pode ocorrer novamente, várias vezes, e a ciência já avisa sobre isso há mais de 50 anos. A pergunta que fica é: se já sabemos disso, por qual razão “nada foi feito?” A chave da questão, para mim, passa pela necessidade de mais capacitados tomadores de decisão, valorização da ciência e pela redução da desigualdade social. Em geral, doenças infecciosas, não apenas provocadas por vírus, têm forte relação com a má distribuição de renda, fome, miséria, falta de saneamento básico, inacessibilidade à água, à renda mínima, dentre vários outros aspectos. Ou seja, enquanto não formos mais sensíveis com as outras espécies do planeta, e com nós mesmos, dificilmente veremos perspectivas de mudança desse quadro e, infelizmente, estaremos fadados a novos surtos, epidemias e/ou pandemias como a que estamos vivenciando na atualidade.

Apoio divulgação cientifica: Samara Autopeças e Jornal Barbacena Online

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Aceitar Saiba Mais