A dor que não podemos controlar

Maria Solange Lucindo Magno

2 de novembro foi o dia de homenagearmos os nossos mortos, aqueles que partiram antes de nós.

Essa data não é para ser um dia de tristeza, de melancolia e podemos de diversas maneiras venerar os que não estão mais conosco.

Ao longo da vida vivemos vários tipos de luto, seja pela perda de um emprego, um projeto fracassado, uma separação do parceiro, uma recuperação de doença grave, mas perder alguém querido que morreu é o maior sofrimento infligido a um ser humano. Embora seja a única certeza que temos, a morte é incompreensível e inaceitável para a maioria das pessoas. A dor de perder alguém é diretamente proporcional ao sentimento e afinidade que tínhamos com quem se foi.

Ouvindo uma mãe numa entrevista coletiva de um grupo de apoio, ela respondeu quando foi perguntada sobre o que era pior na perda: “É o nunca mais, é o não mais ver, é saber que é para sempre”. É exatamente esse o sentimento do vazio eterno, do lugar que nunca mais será preenchido, o toque que não mais será dado, o cheiro que não será sentido, a voz que não será ouvida.

Se realmente temêssemos as perdas, valorizaríamos mais os vivos. Temos a tendência de viver como se tudo não tivesse um fim. Na verdade, começamos a nossa caminhada rumo à finitude desde o dia em que nascemos. Mas a partir da primeira perda é que começamos a nos conscientizar de que é preciso dar a cada pessoa que amamos a atenção que ela merece.

Por muitas vezes eu refleti sobre o significado da morte, no porquê de ela acontecer. Quando se é mais jovem, não se teme a morte, sequer pensa nela ou admite a finitude, não tem significado para nós. Porém, à medida que o tempo vai passando, esse medo começa a nos rondar, passamos a temer coisas que antes não nos causavam medo e, ainda, começamos a viver com mais intensidade com o receio de que tudo termine de repente.

É possível tirar aprendizados com nossas perdas? Sim, com a minha experiência, descobri que podemos tirar muitos aprendizados:

o primeiro deles é que devemos tratar melhor os vivos, não perder momentos de convivência e perdoar mais facilmente, porque de nada adianta lamentar o que não foi feito diante de perdas repentinas;

a perda dos pais nos deixa um vazio inexplicável, ficamos sem as nossas referências e um grande sentimento de orfandade toma conta de nós;

pais que perdem os seus filhos dizem que não há dor maior, sobretudo, porque eles é que dariam continuidade à sua existência e é uma inversão na ordem dos acontecimentos que ninguém espera;

há uma tendência de superestimar pessoas que se foram. Quem morreu não deixa de ter defeitos e não perde as suas qualidades, contudo, merece que sua memória seja respeitada;

sentimos cada perda de forma diferente, umas não se comparam às outras;

quando perdemos irmãos, amigos ou contemporâneos é como se perdêssemos uma parte de nossa história;

a vida nunca mais será a mesma após uma perda, entretanto, é preciso que nos organizemos para dar um novo sentido para ela e seguir em frente dentro da normalidade. A pessoa que amávamos tanto não gostaria que ficássemos sofrendo infinitamente;

o tempo para superar uma perda varia de pessoa para pessoa, não tem um prazo delimitado. Não há como mensurar a dor de uma perda nem tampouco a duração do luto. É preciso respeitar o tempo que o enlutado necessita para vencê-lo.

Perdas fazem parte da vivência de todos, entretanto, quando chegam causam um estardalhaço emocional nas pessoas e uma dor incomensurável.

Quem passa pelo luto de uma perda experencia todos os estágios, que são bem definidos e precisam ser vividos a fundo. Alguns os camuflam, bloqueiam, fogem deles. São eles: o choque e a negação, a revolta, a barganha, a tristeza (que pode evoluir para uma depressão) e por fim, a saudade cristalizada, que é quando nos resignamos. Existem aqueles que sucumbem diante de uma perda, sobretudo se ocorreu de forma violenta. E não é incomum querermos morrer também.

Costuma-se criar mecanismos de defesa, idealizando que a ausência da pessoa querida é uma situação passageira e que ela vai voltar; que vamos encontrar essa pessoa quando também partirmos; enfim, vamos driblando o sofrimento da maneira que podemos.

Por ocasião de minha primeira perda, que foi a do meu querido pai, eu ousei me revoltar contra Deus por Ele ter levado repentinamente alguém que eu amava tanto. Era uma dor descomunal sem eu ter nenhum machucado. Fiz muitos questionamentos, li bastante a respeito. Mesmo estando no processo de um grande sofrimento, as minhas lamentações foram inúteis. Foi nessa época que me deram para ler o livro Violetas na Janela. Li o livro e me surpreendi com o conforto trazido com essa leitura. Tirei para mim o ensinamento de que meu pai era um espírito de luz, que estava no patamar mais alto e que, portanto, eu teria que o dividir com muitas pessoas, só que num outro plano.

No dia em que acontecem o velório e enterro, várias pessoas aproximam-se daqueles que perderam o ente querido, são muitos os abraços e palavras de alento. Chega a causar um desgaste emocional. Porém, dali a um tempo todos voltam para as suas vidas rotineiras e aqueles que sofreram a perda, ficam com a dor que é só deles. Por essa ocasião, costuma-se descobrir os amigos e afetos verdadeiros.

A perda de minha mãe foi, claro, bem sofrida, mas de uma forma diferente, pois a nossa afinidade também era diferente. De uma maneira que não sei explicar, considero a perda da mãe bem peculiar.

Especialistas ou pessoas que lideram grupos de apoio do luto costumam listar o que não dizer a um enlutado. Mas penso que são, às vezes, bem radicais, pois apesar de ouvirmos muitas frases clichês, algumas são ditas de coração, por pessoas simples, cuja intenção é apenas tentar dar um alívio para aquela dor insuportável.

O fato é que seria tão bom se a nossa religião nos preparasse melhor para algo que é inerente ao ser humano: a sua própria partida e a de pessoas queridas. Quando finalmente aceitei a perda do meu pai, entendi que não seria justo eu me revoltar contra Deus. Mas sei que Ele me compreendeu e perdoou e hoje em dia consigo ser grata por ter perdido meus pais, sem que eles tivessem sofrido tanto. Foram privilegiados por terem partido subitamente.

Que benção seria se não temêssemos a morte, mas creio que em sua misericórdia, Deus nos conceda uma grande paz quando chega a nossa hora: a paz na morte.

Hoje em dia consigo falar normalmente sobre a finitude e só conheço um caminho para superar a dor de uma perda: a fé.

 

Observação: as pessoas passam também pelo luto em consequência da perda de um animal de estimação. Finalmente estão reconhecendo isso. Até entre os animais há o período de luto que, estima-se, tem a duração de seis meses. Como se fosse possível cravar esse tempo…

 

Maria Solange Lucindo Magno, casada, sem filhos

Professora da rede estadual de ensino (anos iniciais do Ensino Fundamental – aposentada

Inspetora Escolar da rede estadual de Minas Gerais

Pedagoga tendo atuado como Técnico em Educação na Secretaria municipal de Educação de Barbacena – aposentada

Autora do livro “Escritos com o Coração” – publicação independente e de várias crônicas

Participação em duas Antologias

Possui um perfil na comunidade Scriv, onde tem publicações

Articulista do barbacenaonline

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