Armações políticas

A crônica de Ricardo Tollendal

Se funcionários públicos, comerciários e a multidão dos escritórios encerrassem o expediente em horários alternados, não haveria engarrafamento nem superlotação no transporte coletivo. Era isso que vinha pensando o jornalista Dante Mitroni quando se deparou com Benedito d’Almeida Alencar, recém-eleito deputado.

Celebraram o acaso em meio a solavancos dos passantes acelerados, se recolheram a uma loja refrigerada, e logo escapuliu o nome de Beraldo Birola, que foi convocado para o reencontro regado a birinaites.

Relembrada a militância e a boemia universitária, o sucesso eleitoral de Benedito Alencar e os percalços profissionais dos demais, o deputado, falando mais que Hugo Chávez, discorreu longamente sobre seu primeiro projeto parlamentar. Facilitar a vida dos pescadores do arquipélago de Pedra-aos-Montes era uma dívida do tempo em que velejava no litoral.

Dante Mitroni se dispôs a buscar subsídios no arquivo do jornal, que já publicara algumas matérias a respeito. Esse compromisso lhe outorgou o direito de confidenciar aos amigos uma explosiva reportagem que vinha elaborando. Tratava-se de uma empresa de porte médio, que alardeava em publicidade seu empenho social, mas cuja sonegação era alarmante.

Quando já haviam agendado papo-furado para a semana seguinte e saíam rua afora, o causídico Beraldo Birola disse andar encasquetado com a defesa de uma notória beldade de publicações eróticas, acusada de prática de suadouro em cumplicidade com uma dupla de pit-boys.

A reunião da semana seguinte foi a última de suas vidas, embora todos se mostrassem entusiasmados com o andamento de suas postulações. Além de trazer embasamento jurídico para a denúncia de Mitroni, Beraldo Birola encontrara álibis para sua cliente. Benedito Alencar havia liberado verba para o atracadouro de Pedra-aos-Montes, e Francisco publicaria sua matéria dentro de poucos dias.

Encrencas imprevisíveis, entretanto, desvirtuaram o rumo de coisas tão bem encaminhadas. Os pit-boys de Beraldo confessaram após acareação em juízo, e o máximo que ele obteve foi a atenuante de incriminar também uma moça-de-programa, em tudo e por tudo semelhante à sua cliente, mas que Beraldo sabia inocente.

Mitroni, arrolado pela Fazenda Pública, teve o desprazer de verificar que os valores por ele apurados não condiziam com ínfimos débitos da empresa, cujo proprietário, ainda assim, decidiu liquidar o negócio, desempregando seiscentos e vinte e sete assalariados, embora manifestasse a intenção de processá-lo por calúnia e difamação.

Na Câmara, Benedito d’Almeida foi jogado contra a parede: – Liberamos a verba dos pescadores, mas você vota pelo adiamento da majoração dos salários.

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